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A Conversão

| sexta-feira, 23 de dezembro de 2011 | |
A princípio pensou ter passado por cima de um anúncio da coca-cola. Só depois é que viu que tinha atropelado o pai natal. Saiu do carro, coçou a cabeça embaraçado: olha que chatice, não vem nada a jeito. As renas que sobreviveram levantaram voo a coxear, deixando para trás aquele som característico de guizos desafinados. O pai natal jazia inerte na berma da estrada. O fio de sangue que lhe escorria pela boca parecia querer juntar-se ao traço contínuo. 24 de dezembro à noite numa estrada deserta, as lojas todas fechadas; só existe uma solução possível, pensou Abrenúncio: enterrar o pai natal e rezar para que o menino jesus exista mesmo.
Chegou a casa com cara de caso a assobiar e a mulher pensou que estivesse bêbado. Ao longo da noite e sempre que alguem mencionava o velho lapão, Abrenúncio assobiava. Que grande camada, pensava a mulher.
No dia seguinte, de manhãzinha cedo, ainda envolto nos restos da teia onírica, Abrenúncio acordou sem ressaca, e, qual criança ansiosa correu para a sala. Lá estava ela, a árvore de natal com as luzinhas dos chineses a piscar, repleta de embrulhos pela base. Afinal era verdade, ele existia mesmo, louvado seja, balbuciou, numa conversão relâmpago. Pouco depois já os putos gritavam alegria e excitação ligados à playstation III. A mulher, com um sorriso que lhe ia de uma orelha à mesma, pois dava a volta à cara toda, babava-se em frente da bimby ao mesmo tempo que lhe tirava fotografias com o novo iphone4. Tu não és nada um bêbado, gritava ela para Abrenúncio, tu és é um amor, ouviste? Um AMOR!
Abrenúncio decidiu então com um assobio, que agora já se lhe tornara num tique nervoso, que aquilo devia ser um dos tais milgares de natal que tanto ouvira falar. Sentou-se à frente do computador e foi à página do menino jesus no facebook. Carregou no botão gosto, coisa a que o facebook retribuiu de imediato: gostas disto. É que gosto mesmo, sublinhou Abrenúncio em voz alta. ÉS UM AMOR! Gritou-lhe a mulher, da cozinha.

5 comentários:

Unknown Says:
26 de dezembro de 2011 às 06:34

Texto genial... Matador, assim como o título do blog.

Tuas críticas são realmente fantásticas. É sempre um prazer passar por aqui. :)

Um grande abraço,
Ane

El Matador Says:
26 de dezembro de 2011 às 08:45

Obrigado Ane, fico contente que passes por cá.

Briseis Says:
26 de dezembro de 2011 às 18:47

Xiiiiii... Já sabíamos muitas coisas sobre o Abrenúncio, mas faceta de assassino é novidade... De qualquer forma, é um crime perdoável porque o Menino Jesus já andava de certeza farto de ver os louros irem para o gorducho barbudo que ainda por cima recebe mais da Coca Cola, que o Mourinho do Millennium...

El Matador Says:
26 de dezembro de 2011 às 19:22

Pois.

Anónimo Says:
28 de dezembro de 2011 às 23:50

Não fosses ao meu desejo, e não teria reparado neste post escrito enquanto estava nos fritos de natal, na preparação da festa da família.
Então cliquei aqui e fiquei deveras, impressionada com a "conversão".
E vezes há em que não sei como comentar-te.
Gostei da imagem da mulher babada de uma orelha à mesma, da bimby, do iphone 4.
És um AMOR de sensibilidade.

:) desejo