- O que vale é que eu sou muito anacléctico!
- Ecléctico, queres tu dizer.
- Não, é anacléctico mesmo, por causa do meu nome: Anacleto.
- Humm, fico feliz por não te chamares Epile.
- Epile?
- Porque se te chamasses Epile eras muito...Esquece.
- É assim, gosto de muitas coisas e variadas, tudo diferente.
- Como a salada de fruta?
- Mais ou menos. Por exemplo, gosto de musica clássica e de heavy metal.
- Os penteados são parecidos.
- Exacto, e se às vezes adormeço a ouvir uns, acordo a ouvir os outros.
- Espero que não adormeças a ouvir heavy metal, por mor dos teus vizinhos.
- As paredes não deixam passar o som, o que é mau.
- É mau?
- Sim. Acho que tudo na vida deveria ser transparente e permeável.
- Como assim?
- Houve em tempos um homem que era totalmente transparente. Quando estava doente, não era preciso muito para chegar ao diagnóstico. Olhavam para ele, os médicos, e logo diziam: Olha! É daquilo que ele está doente. Pois claro, concordavam os especialistas, só pode. E até o próprio homem então, olhava para si próprio e comentava: Ah pois! Eu bem me parecia que aquela mancha não devia estar ali.
- Interessante.
- E mais: Os próprios pensamentos do homem eram transparentes e podiam ver-se a olho nu. Uma vez, estava ele a terminar o namoro com um certa rapariga e saiu-se com aquela clássica: Não és tu querida, sou eu! E nisto, ela olha-lhe para o cérebro e vê-lhe os pensamentos que diziam: Estou tão farto de ti, estás cada vez mais gorda. E logo ali lhe deu uma valente chapada.
- E isso é bom porquê?
- Por causa da sinceridade, homem. Então não vês? Imagina um político em campanha: vou fazer isto, vou fazer aquilo. E as pessoas olharem para ele e verem-lhe as verdadeiras intenções. No futuro, todos os políticos pensariam duas vezes antes de pensar.
- Por outro lado os pensamentos deixariam de ser privados, seríamos uma espécie de
big brother transeunte.
- Seríamos sim, condicionados ao pensamento puro, logo à acção pura, como aconselhava o Buda.
- O Buda aconselhava isso?
- Sim, o Buda também era transparente, lá à maneira dele.
- E o homem, o que é que lhe aconteceu?
- Qual homem?
- O transparente.
- Ah! Enforcou-se.
Para a Fábrica de Letras - Transparência