Primeiro
retiraram-nos os cordões dos sapatos e só depois é que nos
despejaram num cela claustrofóbica, escura e infecta. Três bancos
corridos de madeira e para decoração, além da tinta estalada das
grades e das marcas de bolor na parede, era só. A princípio
gerou-se um pouco de confusão, como numa clássica dança de
cadeiras quando a música pára; dois ou três socos que voltearam o
ar sem plano de voo, uns quantos pontapés sem bola, dentes
partidos, um nariz torto, e vá, muitos egos magoados, mas nada de
grave: uma pequena sessão apenas, um tanto ou quanto agitada, de ice-breaking. Depois o
marasmo, a inevitável constatação de irmos passar ali uma noite
inteira. Já estávamos aborrecidos ainda que só tivessem decorridos
alguns minutos.
- Já não se pode manifestar neste
país – Queixou-se um dos presentes rompendo o silêncio
- Já não se pode estar bêbado,
digo eu – Retorquiu um.
- Já não se pode manifestar bêbado – Concluiu um terceiro para grande gargalhada de todos.
Depois
foi o silêncio outra vez. A inconfortável sensação de estarmos
sós no meio da multidão; aquele sentimento de alguém nos estar a
ouvir os pensamentos: suspiros.
Um
melodia em surdina surgiu do nada e pairou sobre as nossas cabeças
como uma brisa refrescante no calor da noite. Alguém com dotes
artísticos, mimava um virtuoso trompete pressionando apenas os
lábios, ao bom estilo do compadre Armstrong. Animado pelo improviso
do outro, houve quem desatasse a dançar com pequeninos saltos
descoordenados, como se estivesse num velho speakeasy
do antigamente. Tinha os cabelos grisalhos, a camisa coçada e as
calças caiam-lhe largas, presas apenas por uma corda. A restante
turba acompanhou o espectáculo batendo palmas incentivando o homem
que dançava frenético.
- Este já é cliente habitual cá da
casa – esclareceu alguém perto de mim – Antes via-o sempre
bêbado pelas ruas a passear o cão; agora, há muito tempo que o
vejo sozinho: o cão deve ter morrido.
E
o homem saltava cada vez mais alto, como se quisesse tocar o céu,
depois aterrava suave, qual bailarina do Bolshoi. Não dizia nada, mas abanava a cabeça e sorria com os olhos tristes, como se
estivesse feliz.
- Quem é este velho – perguntou
alguém – parece o Charlot.
- É o Mr. Bojangles – Corrigi.
...e este é para ti n