O homem tem uma reunião importante e já está atrasado, muito atrasado. A senhora idosa, munida de umas andas de quatro pernas, está parada no meio da passadeira exibindo um ar introspectivo. Há uns bons dois minutos que a cena dura; o homem aperta o volante com as duas mãos como se este fosse o pescoço da velha; sua em bica e morde o lábio de nervosismo «não pode ser, isto não me está a acontecer» - rumina.
A senhora no meio da estrada mostra-se indecisa, tenta lembrar-se de algo, parece ter-se esquecido do que a levou ali, como chegou e até de como se ir embora. Dá dois passos à frente, estaca, tenta fazer meia volta e queda-se pensativa. «Seria à farmácia que eu queria ir? Não, já fui ontem, deve ser à mercearia...P'ra que lado fica a mercearia?» O homem dentro do carro já tirou a gravata e agora apita como se estivesse num engarrafamento, mas não lhe vai servir de nada porque a senhora esqueceu-se do aparelho em casa.
«Espera lá...,Da mercearia não preciso de nada que eles levam-me tudo a casa, eu devo ir é à cabeleireira...» outra meia volta e mais dois passos em frente. Pára outra vez.
O homem puxa o cabelo para trás e desabafa ansioso «velha do caralho nunca mais morre!» E nisto surge-lhe uma ideia luminosa: olha para a esquerda e para a direita e novamente para a esquerda, mira de soslaio o retrovisor, mete a primeira e arranca a patinar numa chiadeira de pneus estrondosa. A senhora é que não ouviu nada, nem o arrancar do motor, nem a barulheira dos pneus: esqueceu-se do aparelho em casa, já se disse.