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#333: Metade da Besta

| sexta-feira, 28 de dezembro de 2012 | 3 comentários |





- Feliz Ânus Novo!
 Foi a última coisa que ele ouviu, depois de deixar cair o sabonete no duche.




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| terça-feira, 25 de dezembro de 2012 | 7 comentários |

Há Sempre um MacClaúdio em Cada Solstício

| segunda-feira, 24 de dezembro de 2012 | 5 comentários |

Quando chega a noite de natal, existem apenas duas tradições que respeito com fiel ardor e devoção. Uma é ali da região de Borba e a outra é oriunda da Escócia. 
Abstenho-me do peru e quejandos bacalhaus em prol desta maravilhosa fusão de culturas: a alentejana e a celta. Não sou xenófobo nas tradições nataleiras; apetecem-me também tabacos de outras regiões, de texturas moles e aromáticas, mas isso são apetites que não posso satisfazer, com  grande pena e saudade minha.
Se pensarmos bem, não  é assim tão estranho celebrar o natal encalhado entre tão distantes etnografias. Uma já foi berço de imortais e a outra é frequentemente visitada por extraterrestres. Ambas têm um sotaque deliciosamente carregado; ambas permitem o uso de saias ao domingo e ambas aliviam o fardo da existência em pequenas doses intercambiáveis.
É uma noite calma e silenciosa a do nosso salvador, uma noite de recolha e paz. Saio portanto trajado a rigor: tomates à solta por debaixo da saia padronizada, peitos musculados ao léu como que a desafiar o temperamento dos deuses pagãos. Coço o escroto vítima de micose meridional e possuído de uma vetusta ânsia andaluz, mijo em cada um dos 18 buracos do campo de golfe junto ao mar; como se fosse um highlander sem capote.
-  There can be only one ! - Exclamo em voz alta.
 – E que seja de Borba! – Acrescento depois à laia de conciliação cultural.


Como o Sódio Sem Cloro

| sexta-feira, 21 de dezembro de 2012 | 3 comentários |

“Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer.”
J.P. Sartre

Sei que estou nu e ainda assim apresento-me a tribunal. Entrego-me à mercê dos meus pares no estado em que vim ao mundo: transparente e impoluto. Sem mágoas, sem apelos, sem agravos. Sou tudo o que está à vista. Assumo a tremenda estupidez, arrogância e inépcia de me comportar como um ser pertencente à humanidade. Não valho nada, estou consciente e em paz. Conhece-te a ti próprio, alvitram as filosofias; é isso que faço: conheço-me a cada dia que passa e a cada dia sinto mais asco daquilo que sou: um verme vermelho e verde, uma viscose daninha, um vírus vaidoso. Mea Culpa por tudo o que fiz e por tudo o que ainda virei a fazer. É muito importante prevenirmo-nos de pessoas como eu, Meritíssimo. Se me deixam a sós e sem supervisão, isto é, se me deixam tomar decisões baseadas no livre arbítrio, então declaro ser um individuo perigoso. Não sou fiável admito, sou cruel e traiçoeiro; sou instável como o sódio sem o cloro; mereço o cadafalso, uma guilhotina que me apazigúe, digníssimos.
Um dia saí à rua e fui mau porque pude, e essa foi a mais forte das drogas que já tomei, também a mais viciante.
Não tenho medo de deus, senhor doutor, tenho medo de mim; é que, sabe senhor doutor, de mim eu já senti as dores, deus nunca vi.
Por esta altura um meirinho fustiga-me os genitais com uma vara de bambu, só para ver se ainda funcionam uma vez que se dependuram ressequidos. Ai! Exclamo deveras incomodado, a madeira quando ofende as partes pudibundas tende a ser dolorosa, e lá está, as dores eu sinto.
É um facto que está vivo, declara o Supra Sumo Supremo Meritíssimo. É um facto que é culpado. Deverá portanto ser exposto como exemplo. Atirem-no pela janela besuntado de mel, depois soltem as vespas.

Eu Não Sou o Elvis

| quarta-feira, 19 de dezembro de 2012 | 3 comentários |

Sei que me tornei um epicurista quando até o som do vinho a bater no fundo do copo me dá prazer. É um acto que alegra todos os sentidos, o beber. E se houve quem se tenha lembrado que não era satisfeita a audição, logo houve quem de imediato inventasse o tchim-tchim. Quem me contou isto foi um amigo meu, numa noite de grande bebedeira. Disse isto e adormeceu com a cabeça encostada ao lancil e o corpo exposto à estrada: a imagem clássica do anjo caído, com a devida ressalva de o meu amigo não ser nenhum anjo.
Pois então, digo-vos eu que me tornei num epicurista invertebrado. Não, não corrijam o português, é mesmo invertebrado que queria dizer. É assim que me sinto quando me dão aqueles ataques de Epicuro, em que tudo me é indiferente e a vida passa lentamente envolta numa estranha modorra. É sempre por alturas do natal que me entrego mais afincadamente a estas práticas de lascívia e entorpecimento. Deve ser por ser esta a quadra que me é mais querida; quando toda a gente é honesta e boazinha e troca prendas desinteressadamente. A imagem do menino, eternamente nas palhas deitado, rodeado de duas vacas e dois burros inspira-me deveras. E por isso deito-me também, e fico ali, todo empalhado, a contemplar o azul do tecto.
Que não devia misturar drunfos com o álcool, insistem os meu amigos, que faz mal, que podes sufocar no vómito. O que eles não sabem é que eu faço isto sempre em jejum, e por isso não corro riscos. Além disso o Elvis fazia a mesma coisa e ainda ia para cima do palco lá em Las Vegas, todo gordo, cantar o love me tender com aquela voz de cú que ele tinha. Se o Elvis pode eu também posso, caraças. O que é que o Elvis tem a mais do que eu? Eu também sou gordo e desleixado. Eu também tenho uma voz irritante às vezes quando estou bêbado e quase sempre quando estou sóbrio. Eu também gosto de aos domingos me vestir de fato de macaco de cetim branco às estrelinhas azuis, e abanar as ancas em frente ao espelho. A única diferença entre mim e o Elvis é que eu não sou parolo.
Olha, por falar nisto, sinto que vem aí outro ataque daqueles; maldito epicurismo que se apega à gente como sarna. Fito o tecto azul e deixo-me embalar num emaranhado de ideias parvas. Ahahah, o Elvis é que havia de gostar disto.

O Enquadramento

| domingo, 16 de dezembro de 2012 | 4 comentários |

Olho as fotografias e imagino que és real e que estás aqui. Sinto que te conheço, como se tivéssemos feito parte um do outro numa qualquer realidade paralela. Às vezes consigo até sentir o cheiro que emanas por debaixo dessa minissaia tímida, tracejada de negro em fundo branco. Gostava de rasgá-la e deixar-te montada nessas pernas longas e torneadas que se apoiam em sapatos de altos saltos negros. Ai! Que visão.
Encostava-te a esse corrimão que atravessa o enquadramento de uma ponta a outra, virada de costas para mim, mala vermelha na mão, e aí sim, entrava em ti, como um animal mítico esfaimado; um Minotauro espumando sexo pela glande. E nisto baralhar-se-ia Teseu perante tamanha cópula, e Dédalo, o perfeito designer, construiria asas inspiradas em orgasmos alados, libertadoras do labiríntico determinismo do homem, do mundo, da história, da guerra e da desigualdade. E no fim, visto de longe, sobraria apenas a fusão dos dois corpos, pairando no ar, nem tão perto do sol nem tão longe, de forma a não se derreter nunca a cera primordial; ali, no meio-termo, como aconselhou Dédalo e o Buda.



O Rei-Lua Postiço*

| sábado, 15 de dezembro de 2012 | 3 comentários |

[…] O corrido, o raimoso, o desleal
O balofo arrotando Império astral
O mago sem condão, o Esfinge Gorda.
 (in Aqueleoutro, M. de Sá-Carneiro, 1916)*


E é assim que passo os momentos de ócio: em ociosidade. Rebolo-me vagaroso na cama de casal que ocupo de forma  singular; gordo, flácido, boçal. Passo os dias nesta forma amorfa de banha espalhada pelas colchas. Não há sentido na vida que não seja engordar, tudo nas estrelas assim o indica, e eu, não gosto de contrariar os astros. Reviro os olhos num bocejar benzodiazepino; a luz do sol filtrada pelas persianas, forma um padrão de luz nas mantas que me tapam. Acordo de tempos a tempos e vejo que o padrão se move da esquerda para a direita, da cama para a parede, da parede para o tecto: é assim que meço o tempo.
Sou um monte disforme de gordura e chocolate. A mão escorrega o suficiente para alcançar a garrafa de vinho; e, é só porque preciso de enxaguar os dentes: há pedaços de carne que se recusam a abandonar os interstícios. Uma boa higiene oral é tudo, dizem na rádio; é verdade, tenho o rádio ligado. As notícias de meia em meia hora confundem-me os sonhos; às vezes sonho que estou na rua a ser entrevistado e que sou belo e magro e ágil, articulo elegante o discurso quando digo que “isto não vai nada bem!”. Acordo de tempos a tempos com o sal da baba solidificado nos cantos da boca e rebolo-me um pouco mais; há que mudar de posição de quando em vez, para evitar a criação de chagas no corpo.
Chove! Que bom que é ouvir a chuva na cama. As gotas a percutirem na janela são como pequenos comprimidos para dormir quando chegam ao cérebro: entorpecem e acalmam-no.
Diz que o mundo está quase a acabar. Gostava de ver isso. Imagino-me deitado; sonolento e muito balofo; arrotando chocolate da América Central, como o um dos Maias. E pensar a quando das primeiras bolas de chamas que irrompessem pela atmosfera:
- Ah! Maria Eduarda, não soubesse eu o que sei hoje e tivéssemos nós mais tempo, ainda era moço para te dar mais uma.