“Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que
o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio;
e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo
quanto fizer.”
J.P. Sartre
Sei que estou nu
e ainda assim apresento-me a tribunal. Entrego-me à mercê dos meus pares no estado em que vim ao mundo: transparente e impoluto. Sem mágoas, sem apelos, sem agravos.
Sou tudo o que está à vista. Assumo a tremenda estupidez, arrogância e inépcia de me comportar como um ser pertencente
à humanidade. Não valho nada, estou consciente e em paz. Conhece-te a ti
próprio, alvitram as filosofias; é isso que faço: conheço-me a cada dia que
passa e a cada dia sinto mais asco
daquilo que sou: um verme vermelho e verde, uma viscose daninha, um vírus vaidoso.
Mea Culpa por tudo o que fiz e por
tudo o que ainda virei a fazer. É muito
importante prevenirmo-nos de pessoas como eu, Meritíssimo. Se me deixam a sós e
sem supervisão, isto é, se me deixam tomar decisões baseadas no livre arbítrio,
então declaro ser um individuo perigoso. Não sou fiável admito, sou cruel e
traiçoeiro; sou instável como o sódio sem o cloro; mereço o cadafalso, uma guilhotina que me apazigúe, digníssimos.
Um dia saí à rua
e fui mau porque pude, e essa foi a mais forte das drogas que já tomei, também a
mais viciante.
Não tenho medo
de deus, senhor doutor, tenho medo de mim; é que, sabe senhor doutor, de mim eu já
senti as dores, deus nunca vi.
Por esta altura
um meirinho fustiga-me os genitais com uma vara de bambu, só para ver se ainda funcionam uma vez que se dependuram ressequidos. Ai! Exclamo deveras incomodado, a madeira quando ofende as partes pudibundas tende a ser dolorosa, e lá está, as dores
eu sinto.
É um facto que
está vivo, declara o Supra Sumo Supremo Meritíssimo. É um facto que é culpado. Deverá
portanto ser exposto como exemplo. Atirem-no pela janela besuntado de mel, depois soltem as vespas.