Acabou a febre da bola.
Ficou só a febre. A, cada vez mais dolorosa, existência; a
perturbante sensação de mesquinhez perante algo ou alguém que não
se compreende e que nos esmaga diáriamente, sem vaselina.
A galáxia rodopia
indiferente: braços estendidos ao universo, leite vertendo na noite
escura. É onde vivemos, num desses braços. Grão de poeira suspenso
num pedaço de luz. É tudo o que se poderia pedir: um lugar cativo
numa viagem circular, sentados à beirinha, para podermos molhar a
ponta dos pés no cosmos, e expandir-mo-nos, mas desta vez só em
pensamento.
E no entanto ela gira, e
o que nos sobra desta liberdade estonteante que recebemos de presente
logo à nascença, é uma vil tristeza e malfadada existência,
carregada de ignomínia e afronta.
Dão-nos um papel para
decidirmos das nossas vidas e depois atiram-no com ele à cara.
Insultam-nos.
Chamam-nos brandos,
acomodados e até bons alunos...que insulto. Enchem-nos até às
orelhas de fait-divers e de outras minúcias futilidades e
conduzem-nos para o matadouro, mansos e drogados, como um boi
sacrificial. Morrer assim: não sei se é castigo se é libertação.
É a vida, dizem eles, tem que ser, dizem outros, ai o fado, o nosso
rico fado, e assim nos levam: mansos e drogados.
E não há um único
David que surja de funda ao alto, e espete com uma valente pedrada no
olho do cú que estes gigantes trazem no lugar da cara.
Na aldeia global somos
todos filisteus.