- Ajude-me doutor que me doi aqui a poesia!
Já está: o médico já não trata só das dores nos ossos,
nem do atrofio dos músculos, nem sequer das maleitas dos intestômagos; o clínico
actual também trata da alma. O paciente já não é paciente, é ansioso e exige
respostas imediatas, quer a nível da linguística quer a nível da metafísica.
Este que aqui vemos tropeçou num verso e deslocou uma
rima. Há que medir os níveis silábicos e realinhar os quartetos com os
tercetos. Corre o sério risco de infectar o Soneto se não forem tomadas as
devidas precauções. Mas o médico que passou longas horas a estudar o luar sabe
o que fazer para amenizar essa dor que vem de dentro e que arde sem se ver.
- Vá p'ra casa homem! – exorta o médico– E não pense
mais nisso.
- Só assim doutor, não me passa nada para as dores?
O médico sabe ao que o doente vem, já lhe conhece as
manhas «quer que eu lhe receite Pessoa, está viciado».
- Dois de Bocage: ao acordar e depois do almoço e um de Camões à noite. E nada de
escrever verso livre depois das dez, ouviu? Volte cá daqui a duas semanas.
- Obrigado doutor – agradece o homem resignado: sai
cabisbaixo mas aliviado, já não carrega nos ombros o peso do mundo, parte desse
fardo deixou-o no consultório, com o médico, que já não sabe o que fazer com
tanta desgraça.
Como não tenho por hábito oferecer selos (nem recebê-los), ofereço ao Catsoman esta pequena prosa em formato de posta cibernética.