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Strangers in The Night

| sexta-feira, 31 de dezembro de 2010 | 12 comentários |
    - ...Então ele disse-me que ia passar o ano ao estrangeiro.
    - A sério?
    - Sim.
    - Ena!
    - Também gostavas de ir?
    - Muito.
    - Para onde?
    - Não sei... O estrangeiro é tão grande.

Toca O Sino

| sábado, 25 de dezembro de 2010 | 9 comentários |
O último jingle que ouviu antes de se apagar foi o de uma instituição bancária. Jingle bells, jingle bells, já há não há papéls, murmurou baixinho e deixou-se ir. Não há pior quadra que o natal quando se está sozinho. O aspecto desertificado que as ruas tomam na véspera a contrastar com a azáfama dos dias anteriores é irritante para quem não embarca na loucura consumista da época da “paz”. Mas qual paz? pensou Labregoísio; se pudessem comiam-se uns aos outros, e não era só no natal. O sorriso imbecil e estupidificado dos donos das lojas, que olham para os clientes como se fossem patos a depenar; a repetição constante do mantra das boas festas, no café, no quiosque, na repartição de finanças, era algo com que Labregoísio não conseguia compactuar; toda aquela hipocrisia, a bondadezinha lamecha, a felicidade plástica dos outros, arrrghhh...
Celebramos em Dezembro o nascimento de um Deus que matamos por alturas de Março. Fartamo-nos depressa, e é por isso que pelo meio há o futebol. Daqui a dois dias começa a guerra de novo: o mundo cão que nos domina todo o ano. À pessoa a quem arreganhámos a fronha e desejámos um santo natal, mostramos agora as garras, como quem diz: se te aproximas muito corto-te o pescoço. O natal traz ao de cima o que de melhor há em nós: gastar dinheiro que não temos e enfardar comida como se não houvesse amanhã.
Como tal, e por ser natal, Labregoísio auto-ofertou-se com uma garrafa de single malt. Não esperou pela noite para a abrir, não, que álcool desta categoria bebe-se a qualquer hora do dia. Brindou a si próprio e emborcou numa sessão que terminou, como sempre, com ele a desfalecer no sofá, em frente da televisão, sem saber muito bem se estava triste ou contente, se era dia ou noite. Jingle bells, jingle bells, invista num PPR, dizia a televisão quando Labregoísio apagou.
Acordou estremunhado com duas ideias fixas coladas ao pensamento. A primeira: ir à casa de banho mijar. A segunda: Caçar. Caçar? E era época para isso ao menos? Não sabia. O que é que se caça em Dezembro, perguntou-se a si próprio enquanto desalugava o whisky que tinha bebido durante a tarde: Renas! Ho Ho Ho, riu-se alto enquanto os vapores do malte lhe saíam pelo nariz confirmando que o álcool ainda estava activo no organismo. Foi à despensa buscar a sua ligeirinha semi-automática com mira telescópica, pôs as munições no camuflado que entretanto vestira e saiu resoluto; Hoje é um bom dia para morrer! Disse em voz alta. A sentença era dos índios americanos, que têm tanto direito a participar nas festividades como o velho finlandês. O que é preciso é seguir as setas.
Subiu à torre do sino da igreja da Sé, que ainda estava danificada desde o terramoto, acocorou-se e esperou pela meia-noite. A pouco e pouco iam chegando as famílias para a missa do galo. Nas suas melhores farpelas desfilavam pelo largo como numa passagem de modelos. Reinava um silêncio sepulcral, como se de um enterro se tratatsse e não a celebração de um nascimento.
À meia-noite em ponto o sino anunciou o novo dia: BELLS, BELLS, BELLS, BELLS. Um zumbido estonteante percorreu a cabeça de Labregoísio acentuando-lhe a embriaguez: Prontes, já nasceu o menino...E nisto desatou aos tiros, de cima para baixo, indiscriminadamente: jingle bells cabrões, jingle bells - berrou furioso. A multidão aos gritos corria descontrolada de um lado para outro em pânico. Finalmente temos animação digna de um rei - pensou Labregoísio. Os que caíam abatidos tingiam a calçada de vermelho. Era o vermelho do manto papal; o vermelho da capa dos legionários romanos; um vermelho vivo, muito parecido ao da farda do pai natal, que por sua vez assemelhava-se ao rótulo da gasosa americana. Era o vermelho do capote dos matadores. Eh lá! - exclamou Labregoísio – Que grande tourada que p'raqui vai.

A Prenda

| quinta-feira, 16 de dezembro de 2010 | 10 comentários |
Estrupício soube logo que a vida lhe ia correr mal quando em miúdo, na manhã de natal, descobriu no sapatinho uma bola de futebol em vez do lança-chamas que tinha pedido. Um rancor profundo que o acompanharia para o resto da vida nasceu ali, numa fria manhã de inverno, sentado no chão junto à árvore de natal.
São coisas que não se fazem a uma criança, um desapontamento destes. Cerrou os punhos franziu os sobrolhos e foi para o quarto, não sem antes lançar um olhar de profundo ódio aos pais que, sentiram o sangue gelar como se acabassem de ser violados por um icebergue. Poucos dias após o incidente, já o natal se esvaía em sais de frutos, quando a mãe do pequeno Estrupício encontrou o gato Nicolau congelado na arca frigorífica. Seria o primeiro de diversos animais de estimação que morreriam em condições misteriosas. Os anos passavam e o lança-chamas continuava sem se produzir. O natal em casa do pequeno Estrupício deixou de se celebrar e começou a ser visto como um tormento, algo que quanto mais depressa passasse melhor; como quando arrancamos um dente.
Os pais do pequeno Estrupício acabaram por se divorciar e foi uma batalha dura nos tribunais por causa da custódia do miúdo: ninguém queria ficar com ele. Estrupício foi enviado para a adopção.
A família que acolheu o pequeno Estrupício era do melhor e mais gentil que se podia encontrar numa família respeitadora e cristã, e talvez por isso estranharam, mais do que o desaparecimento do cão, a mutilação indiscriminada dos ícones religiosos que ostentavam por toda a casa.
Apesar de tudo educaram Estrupício o melhor que sabiam, na bondade e compaixão, dentro das suas limitações católicas. E, mesmo sem o saberem, conseguiram desvanecer a antiga obsessão de Estrupício pelo lança-chamas.
Hoje Estrupício é um jovem normal, bem educado, bem apessoado, brincalhão e gentil. Quando lhe falam no natal, assunto que ele desgosta mas que não consegue evitar, uma prenda apenas lhe vem à ideia: serra-eléctrica! O olhar gela-se-lhe por uma fracção de segundo mas depois sorri com os dentes todos, e é isso que encanta as pessoas.

#230

| quarta-feira, 8 de dezembro de 2010 | 18 comentários |
O poeta é um fingidor
finge tão completamente,
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.

Fernando Pessoa

O poeta é um bandido, um vagabundo preguiçoso. A dor é a sua arte. Gosta de embalá-la, à noite, entre copos e fumaça. Rega-a como se duma planta se tratasse; fala com ela. Recita-lhe versos de Rimbaud com música erudita. A dor tem pouca auto-estima e gosta de ser mimada.
O poeta finge que é dor a dor que deveras sente porque é assim que consegue criar: em sofrimento, no caos mais sentimental a sul de todas as emoções; na cave. O poeta agarra na dor e muda-se para a cave, para o escuro, para a humidade, para a frieza; a dor é um cobertor que o poeta usa para agasalhar o cérebro entorpecido.
O poeta é preguiçoso, já se disse, deita-se no sofá com a dor e passa-lhe a mão pelo pêlo. Os dias passam-se em ociosidade e delírio surrealista.
A questão primordial que se impõe com o decorrer do tempo é: quem veio primeiro, o poeta ou a dor?
Habitua-se a este ritmo de sofrimento barra rambóia barra fingimento e um dia, um belo dia de tempestade (a dor gosta de chuva), entre uma enxurrada e outra que se anuncia, eis que o sol se imiscui no edifício de mágoa, moléstia e estupidez que o poeta criou a partir da dor alicerçada. O sol e o seu espectro de sete cores e mais as ondas de rádio e os raios x e tudo o que sol acarreta, entra de rompante pelas masmorras de um indivíduo e ilumina as sombras que se esvanecem e levanta o pó da arca das tristezas. A dor, que não gosta nada do sol, qual vampiro barato da sétima arte pop, sai de mansinho, mirrada e enfraquecida, sem se despedir.
O poeta acorda sobressaltado como se lhe tivessem jogado uma toalha encharcada em cima. Vê a claridade e sente uma espécie de alívio. Há uma dualidade na mente do artista. Agarra-se ao bloco de notas e tenta enaltecer o sentimento. Não consegue. O motor da dor foi-se abaixo, afogou-se. O poeta sorri perante a incapacidade da criação, a dualidade, lá está, e não sabe o que fazer. Foi-se a dor, foi-se o fingimento, foram-se os recantos de obscuridade; o cabrão do astro iluminou tudo. Restam as cinzas.
O ex-poeta levanta-se e vai tomar o pequeno almoço.

A Segunda Vinda

| quinta-feira, 2 de dezembro de 2010 | 22 comentários |
Praga 2009 - El Matador



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