Quando acordou já o natal tinha passado. Teria mesmo? Olhou ao relógio para confirmar: terça-feira, 11 da manhã. Uau, desta vez foi em forte. Começou a beber ainda não eram vésperas, e agora, tinham passado dois dias. Objectivo concluído, pensou, passar o natal sem dar por isso; de fininho, como quem não quer a coisa, assobiando se possível.
Tinha ouvido algures que os cocktails eram constituídos por, pelo menos 3 bebidas, e por isso decidiu fazer uma experiência: misturar vodka, com vodka e vodka. Bombástico sem dúvida. Perigoso? Talvez. Quando um homem se julga um avião e quer à força atirar-se de um primeiro andar como baptismo de voo, a palavra ‘perigoso’ é sempre amparada por ditados populares que garantem a indestrutibilidade do sujeito ébrio.
O natal tinha sido até então, sinónimo de angústia, hipocrisia, solidão e comércio. Naquela noite porém, havia magia no ar; magia natalícia talvez? Não! Ilusionismo etílico.
Sentiu-se um outro homem, um super-homem; ansiava pela salvação das pessoas, desejou ter uma capa vermelha. Embora as ruas estivessem desertas, silenciosas, escuras até, havia sempre um ou outro sem-abrigo com quem confraternizar. Estes sujeitos são meus irmãos de circunstância, reflectiu, e então partilhou a vodka, à volta da fogueira improvisada, num postal de natal urbano onde só faltavam a vaca, o burro e o menino.
Os sem-abrigo acolheram com carinho aquela alma, que tinha vestido umas cuecas vermelhas por cima das calças da ganga e que dizia ser do planeta Krypton. É muito simples, explicava-lhes, com os óculos sou o Clark Kent, sem os óculos sou o super-homem. Punha e tirava os óculos para exemplificar; os indigentes riam cada vez mais desbragados. A garrafa rodava de mão em mão no sentido dos ponteiros do relógio.
Agora está acordado na cama com uma ressaca de dois dias e uma música sentada no cérebro. Trauteou com voz de catarro e bafo-de-onça, you’re a bum, you’re a punk, you’re an old slut on junk, lying there almost dead on a drip in that bed. Que pena não estar em nova Iorque, a música faria bem mais sentido.
Quem serei eu no presépio, interrogou-se. A vaca, o burro ou o menino?
Mais um ano, novo outra vez, como todos os outros. Bah! Os melhores anos tinham sido aqueles de que não se lembrava. 2012! Nossa senhora, parece que este é que vai ser. O mundo a acabar e mais não sei o quê. A culpa é dos Maias: aquela história do Carlos ter andado a comer a irmã tinha que dar em merda.
http://www.youtube.com/watch?v=HwHyuraau4Q
http://www.youtube.com/watch?v=HwHyuraau4Q
8 comentários:
29 de dezembro de 2011 às 18:48
Belo, belo, belo como sempre...
Boas festas, e não te estragues: continua assim!
Um abraço do Canto de Cá.
29 de dezembro de 2011 às 20:17
Obrigado Ditonysius. Quanto à parte de não me estragar, não sei se ainda vou a tempo :)
Um abraço.
29 de dezembro de 2011 às 23:02
Cuidado...que ainda falta o réveillon... :) Bom Ano Novo!
29 de dezembro de 2011 às 23:23
Ah pois. Bom ano novo, Luísa.
29 de dezembro de 2011 às 23:47
Fantástico.
"A culpa é dos Maias: aquela história do Carlos ter andado a comer a irmã tinha que dar em merda."
Abrenuncio é um homem muito culto.
Gostei
:)
30 de dezembro de 2011 às 00:00
Este não é o Abrenúncio, Desejo. Este não tem nome.
Mas 'tou certo que o Abrenuncio vai ficar contente por saber a tua opinião.
30 de dezembro de 2011 às 00:03
E fiquei mesmo.
Obrigado, Desejo.
30 de dezembro de 2011 às 18:32
Eu associei ao teu Abrenuncio, mesmo sendo o Charles.
A coordenação com o post anterior...
:)
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