Sei que me
tornei um epicurista quando até o som do vinho a bater no fundo do copo me dá
prazer. É um acto que alegra todos os sentidos, o beber. E se houve quem se tenha
lembrado que não era satisfeita a audição, logo houve quem de imediato
inventasse o tchim-tchim. Quem me contou isto foi um amigo meu, numa noite de
grande bebedeira. Disse isto e adormeceu com a cabeça encostada ao lancil e o
corpo exposto à estrada: a imagem clássica do anjo caído, com a devida ressalva
de o meu amigo não ser nenhum anjo.
Pois então,
digo-vos eu que me tornei num epicurista invertebrado. Não, não corrijam o
português, é mesmo invertebrado que queria dizer. É assim que me sinto quando
me dão aqueles ataques de Epicuro, em que tudo me é indiferente e a vida passa
lentamente envolta numa estranha modorra. É sempre por alturas do natal que me
entrego mais afincadamente a estas práticas de lascívia e entorpecimento. Deve
ser por ser esta a quadra que me é mais querida; quando toda a gente é honesta
e boazinha e troca prendas desinteressadamente. A imagem do menino, eternamente
nas palhas deitado, rodeado de duas vacas e dois burros inspira-me deveras. E por isso deito-me
também, e fico ali, todo empalhado, a contemplar o azul do tecto.
Que não devia
misturar drunfos com o álcool, insistem
os meu amigos, que faz mal, que podes sufocar no vómito. O que eles não sabem é
que eu faço isto sempre em jejum, e por isso não corro riscos. Além disso o
Elvis fazia a mesma coisa e ainda ia para cima do palco lá em Las Vegas, todo
gordo, cantar o love me tender com
aquela voz de cú que ele tinha. Se o Elvis pode eu também posso, caraças. O que
é que o Elvis tem a mais do que eu? Eu também sou gordo e desleixado. Eu também
tenho uma voz irritante às vezes quando estou bêbado e quase sempre quando
estou sóbrio. Eu também gosto de aos domingos me vestir de fato de macaco de
cetim branco às estrelinhas azuis, e abanar as ancas em frente ao espelho. A
única diferença entre mim e o Elvis é que eu não sou parolo.
Olha, por falar
nisto, sinto que vem aí outro ataque daqueles; maldito epicurismo que se apega
à gente como sarna. Fito o tecto azul e deixo-me embalar num emaranhado de
ideias parvas. Ahahah, o Elvis é que havia de gostar disto.
3 comentários:
19 de dezembro de 2012 às 21:26
... o natal é fodido, não é?...
19 de dezembro de 2012 às 21:33
Segundo estudos sociológicos, parece que é uma das épocas em que as pessoas se suicidam mais.
:)
19 de dezembro de 2012 às 21:59
ja tinha ouvido falar... ainda bem que o mundo acaba antes do cabrão do natal...
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