Passaram-se os tempos e
Abrenuncio sentia-se como em casa. Integrara-se aos poucos naquela estranha
comunidade e agora era o mundo ocidental que lhe parecia estranho, como um
sonho distante.
No corpo ostentava já as marcas dessa
integração, na forma das mais variadas e criativas tatuagens. A mais
significativa era a do homem a nadar com o tubarão, em desenhos estilizados com
traço curvo artístico. Para aqueles maoris o tubarão era uma espécie de animal
sagrado. Contavam as lendas do seu folclore popular que os primeiros maoris, os
da grande migração, tinham seguido um tubarão na sua viagem para sul. Os de
agora também seguiam os tubarões, mas era quando saíam para pescar, em busca dos grandes cardumes.
Estavam de tal forma habituados a conviver com os tubarões, que nadavam e
pescavam no meio deles, numa espécie de baile sincronizado, sem que houvesse
estranheza de parte a parte. Assim, quando convidaram Abrenúncio para uma
pescaria este aceitou de imediato. Imaginou-se num pequeno barco, nas águas
calmas ao largo da ilha de Faro, com a cana presa entre os joelhos a beber minis. Foi só quando lhe puseram um arpão artesanal nas mãos e se viu
rodeado de tubarões é que percebeu que a pesca dos maoris não envolvia momentos
relaxantes, e pior que tudo, não envolvia minis.
A relação dos maoris com os
tubarões era parecida à que os turistas têm com os golfinhos do Zoomarine.
Abrenúncio é que não ia na conversa deles; a sua cultura ocidental há muito que
havia sido conspurcada pelo parvalhão do Spielberg. Os maoris apontavam-lhe os
tubarões como que indicando que os devia seguir, fish, fish, gritavam excitados. No
fixe, no fixe, exclamava Abrenúncio mostrando-lhes o sinal internacional
de receio, que era o ficar amarelo. Até que, tiveram que o empurrar. A princípio
foi o pânico. Depois foi o pânico também e a seguir continuou a ser o pânico. No
entanto, aos poucos, foi-se habituando. Os maoris ensinaram-lhe a mergulhar em
apneia, o que para ele foi uma revelação, uma vez que a única coisa que estava
habituado a fazer em apneia era dormir.
Agora Abrenúncio já não sentia
qualquer espécie de medo, e o filtro ocidental havia caído completamente por
terra. Finalmente tinha descoberto o verdadeiro prazer de pescar, que era o
envolvimento com a natureza, o estar por dentro, por fora e intrinsecamente ligado
a ela. E era tal a sua alegria quando se
faziam ao mar que Abrenúncio não resistia a cantar: quem me ensinou a nadar, quem me ensinou a nadar, foi, foi marinheiro,
foi os peixinhos do mar…Os maoris como não percebiam um boi da letra
acompanhavam só a melodia nanananá, nananá, nananá, e faziam-no com prazer
porque no fundo compreendiam o seu significado.
http://www.youtube.com/watch?v=UkPpBOOzRPM
http://www.youtube.com/watch?v=UkPpBOOzRPM
2 comentários:
4 de setembro de 2012 às 14:59
acho que me vou repetir muitas vezes por aqui... adorei ;)
4 de setembro de 2012 às 16:44
Repete-te à vontade. :)
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