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A Escadaria

| quarta-feira, 22 de julho de 2009 | |

Anacleto sentiu por segundos uma incomensurável tristeza. Carregava sozinho a enorme máquina às costas e ainda lhe faltava subir muitos lanços de escada. A pesada máquina era desproporcional ao seu corpo franzino e não poucas vezes Anacleto se desequilibrou. Não podia apoiar-se uma vez que tinha as mãos ocupadas. Os braços tremiam-lhe assim como as pernas. Olhou para baixo e chegou a pensar em desistir, mas o caminho de regresso apresentava-se tão distante como o que lhe restava. Estavam à sua espera mas ninguém o ajudava. Gotículas de suor formavam-se na testa e escorriam avulsas rosto abaixo. O suor queimava-lhe os olhos. A imensa solidão queimava-lhe a alma. Não queria estar ali naquele momento e nunca antes sentira tanto a vontade de ser outra pessoa. Subiu mais um degrau e a máquina pressionou-lhe ainda mais a espinha. Encontrava-se praticamente dobrado sobre si próprio. A máquina era possuidora de uma vontade própria. Queria vê-lo quebrado, desfeito. Queria vê-lo a implorar, a desistir. E por isso tornava-se mais pesada a cada passada. Ele compreendia a máquina; compreendia que as suas vontades eram concorrentes. Não obstante serem inimigos, partilhavam um mesmo fado, uma mesma escadaria, uma mesma meta. De certa forma eram cúmplices. E foi ao descobrir a súbita quase-empatia pela máquina que, Anacleto, sentiu apoderar-se de si, uma vastidão de angústia.

2 comentários:

roserouge Says:
23 de julho de 2009 às 01:04

"(...) Notei, na verdade, um estranho baloiçar da máquina, que não fui capaz de justificar."

A Máquina do Tempo - H.G. Wells

El Matador Says:
23 de julho de 2009 às 08:21

Moço esperto esse Wells.