Tentava mexer-se o menos possível deitado na cama. O calor aquecia-lhe o quarto ao ponto da cozedura. Dava um bom cozido ele. Junto ao osso é onde a carne sabe melhor. A ventoinha há muito que dera o último suspiro. De tanto trabalhar, um dia baixou as pás e foi parando devagarinho. Foi uma morte serena, sem dor. O ar no entanto tornou-se mais pesado, e o suor, mais peganhento. As janelas estavam fechadas por causa do vizinho que era quase surdo e tinha o som da televisão sempre nos píncaros. Não conseguia dormir por causa do barulho mas estava sempre a par dos enredos das novelas. Chorou quando a Zurineide Sueli deixou o Tonhão Raimundo para se casar com o filho do Coronéu.
O pior era acordar sempre encharcado em suor; mas disso já não tinha a certeza se era do calor, dos pesadelos, ou da ressaca. Bebia vodka para acalmar uma tempestade de mágoas e ao mesmo tempo sentia que se afundava nelas; sem bóia, sem braçadeiras, sem salva-vidas. Bêbado, escrevinhava num bloco de papel, planos maquiavélicos para matar o velho. Sóbrio, não conseguia decifrar os gatafunhos da noite anterior.
Os cães uivavam noite fora e no quarto ele dissipava-se lentamente, deixando apenas uma sombra, que se fundia no colchão como lágrimas na chuva.
6 comentários:
27 de julho de 2009 às 19:44
"Como lágrimas na chuva". Essa, é linda.
27 de julho de 2009 às 19:56
Pois. É linda mas não é minha, é por isso que está a itálico. É do final do filme Blade Runner.
27 de julho de 2009 às 23:45
time to die.
27 de julho de 2009 às 23:50
É isso mesmo.
28 de julho de 2009 às 00:07
Vodka rules! É o melhor anti-depressivo que há, qual Prozac qual quê!
Que o diga o falecido Boris Yeltsin que andava bêbado dia sim e dia também... :))
28 de julho de 2009 às 08:13
:) Podes crer, o Boris andava sempre a curtir a dele. Aliás vodka em russo significa água, por isso deve ser um bem de primeira necessidade.
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