Quando tinha cinco anos, o meu pai levou-me a visitar
o seu local de trabalho. Depois de logo à entrada ter sido vítima dos habituais puxões de
bochechas e esfreganços de cabelo, acompanhados do clássico “Ah! Campeão”, subi
até ao primeiro andar, sempre guiado pela mão forte e enorme (aos meus olhos) do
meu pai. Foi apenas um segundo, contou-me ele mais tarde, em que para cumprimentar
um colega, o meu pai me deixou da mão. Nesse instante, parece que consegui
enfiar-me pelas varetas das escadas e mergulhar de cabeça, qual torpedo, rumo
ao rés-do-chão. Do que se seguiu não tenho relatos, mas imagino que tenha sido
o pânico. A minha mãe uma vez contou-me
que a minha cabeça parecia uma melancia em tamanho, com a orelha
esquerda completamente dobrada, tal era o tamanho do hematoma. É claro que as
mães exageram sempre, mas ainda hoje tenho um alto no lado esquerdo da cabeça,
para não me esquecer de uma queda que ainda hoje não me lembro.
Trinta e cinco anos depois, quando estava na fase terminal de
um cancro na próstata, o meu pai chorava sempre que eu o ia ver ao hospital. As
enfermeiras estranhavam muito pois parece que o meu pai, mesmo cheio de dores
mantinha o sentido de humor; chegando mesmo a mandar uns piropos de vez em
quando. No entanto, sempre que eu atravessava as portas da enfermaria, era um
pranto que só visto. Pareces uma Madalena, homem! - censurava-lhe a companheira.
Um dia, em que os pensos de fentanyl não estavam a fazer
efeito e o meu pai já não conseguia chorar, julguei desvendar-lhe nos olhos o
segredo íntimo do sofrimento. Não eram as dores atrozes nas artroses, nem a
anca delapidada com as metástases, nem o potássio a subir-lhe ao cérebro pela
falha renal. Era a queda. O meu pai continuava a ver-me cair com cinco anos de
idade. Todos os dias eu caía do primeiro andar. Quando o visitava tinha sempre
cinco anos, e, pensando bem, acho que para o meu pai eu tive cinco anos a vida
toda. Tive cinco anos quando comecei a fumar, tive cinco anos quando deixei de estudar, tive ano sim, ano não: cinco anos de idade. Uma tarde, durante a visita, fui buscar café à máquina e quando voltei, já não tinha cinco anos; nunca mais caí desde esse dia, foi então que me
estremeceram os joelhos.