Aconteceu tudo de uma forma muito
rápida, como já é costume nas revoluções dos homens e nos terramotos. A água
baixou de nível tão depressa que alguns peixes morreram sufocados no ar. O chão
tremeu, as paredes tremeram e a chávena de café tremeu-me nas mãos. As pessoas
correram desesperadas pelas ruas, não observando o velho adágio que diz que o
melhor sítio para se estar numa ocasião destas é junto aos batentes das portas,
mesmo que o prédio se desmorone por completo. Desmorone é um belo verbo para insultar turistas anglo-sáxónicos. Foi o que fiz: ao passar por mim um que ia a
correr desarvorado, gritei-lhe:
- Corre sim bife antes que o
prédio se desMóron.
O homem em pânico, desorientado
da vida, respondeu-me com o indicador e o dedo médio esticados:
- fuck you!
- Vai tu ó parvalhão – gritei-lhe
em português – Havia de te cair um tsunami em cima desses cornos.
E digo isto e sinto-me mais
aliviado. Não há nada melhor no meio duma catástrofe do que saber que há
pessoas a sofrer mais do que nós; é uma doce sensação de conforto que nos
aconchega no meio do caos. E no entanto sinto que tremo cada vez mais.
- Eh lá – penso eu - olha que
isto já não é só do tremor de terra: há aqui também resquícios de ontem à noite. Uma noite longa e nebulosa, povoada de equívocos. Devia ter pedido um
cheirinho no café; é um hábito ancestral
que uma pessoa tende a esquecer-se sempre que uma catástrofe natural nos
entra assim pela vida, sem mais nem menos.
A páginas tantas, dou-me conta de
uma inusitada mudança de paisagem. O cabrão do prédio acabou mesmo por ruir e só
sobrei eu e a moldura da porta. Como numa máquina fotográfica olho através da
porta e enquadro a desgraça: tudo são ruínas, destroços, tudo é disforme, não
há ponta por onde se pegue e se diga: isto começou aqui e acabou ali. Nada! Não
sobrou nada. Tudo tão de repente. E eu só consigo pensar:
- Ah foda-se, agora é que eu
bebia um belo de um whisky.
7 comentários:
3 de outubro de 2012 às 23:09
meu deus!!! o que eu gosto de te ler!!! (não haverá nada publicado?)
3 de outubro de 2012 às 23:23
:) não
3 de outubro de 2012 às 23:42
é por estas e por outras que tens o inferno garantidinho, Matador querido! ...olha agora ir buscar conforto na desgraça dos outros... estás como o nosso governo =)
4 de outubro de 2012 às 15:31
«O céu não é o paraíso nas nuvens nem o inferno é a terradora fornalha. O primeiro, é uma situação em que existe comunhão com Deus e o segundo é uma situação de rejeição»
Papa João Paulo II
5 de outubro de 2012 às 12:47
ahahahah! Adorável este teu post!
P.S.: Eu também não fumo (fumo esporadicamente, o cigarro que alguém me dá).
:)
5 de outubro de 2012 às 15:37
Killer, obviamente que me vou lembrar disto aquando de um terremoto!!!
A nAnónima tem razão: para quando um livro?
Porta-te.
5 de outubro de 2012 às 19:52
para quê publicar quando aqui tudo é público e de borla?
Além disso, a única hipótese de publicar seria naquelas editoras manhosas em que tu pagas o livro para que elas tenham todo o lucro, uma espécie de PPP da literatura.
@Desejo: fazes bem em não fumar, mas posso sempre dar-te um cigarro quando quiseres.
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