O homem tem uma reunião importante e já está atrasado, muito atrasado. A senhora idosa, munida de umas andas de quatro pernas, está parada no meio da passadeira exibindo um ar introspectivo. Há uns bons dois minutos que a cena dura; o homem aperta o volante com as duas mãos como se este fosse o pescoço da velha; sua em bica e morde o lábio de nervosismo «não pode ser, isto não me está a acontecer» - rumina.
A senhora no meio da estrada mostra-se indecisa, tenta lembrar-se de algo, parece ter-se esquecido do que a levou ali, como chegou e até de como se ir embora. Dá dois passos à frente, estaca, tenta fazer meia volta e queda-se pensativa. «Seria à farmácia que eu queria ir? Não, já fui ontem, deve ser à mercearia...P'ra que lado fica a mercearia?» O homem dentro do carro já tirou a gravata e agora apita como se estivesse num engarrafamento, mas não lhe vai servir de nada porque a senhora esqueceu-se do aparelho em casa.
«Espera lá...,Da mercearia não preciso de nada que eles levam-me tudo a casa, eu devo ir é à cabeleireira...» outra meia volta e mais dois passos em frente. Pára outra vez.
O homem puxa o cabelo para trás e desabafa ansioso «velha do caralho nunca mais morre!» E nisto surge-lhe uma ideia luminosa: olha para a esquerda e para a direita e novamente para a esquerda, mira de soslaio o retrovisor, mete a primeira e arranca a patinar numa chiadeira de pneus estrondosa. A senhora é que não ouviu nada, nem o arrancar do motor, nem a barulheira dos pneus: esqueceu-se do aparelho em casa, já se disse.
16 comentários:
16 de janeiro de 2012 às 22:10
que mauzinho!
:)
16 de janeiro de 2012 às 22:15
Eu???
16 de janeiro de 2012 às 23:41
Porra...ó façabor, isto não é uma questão de nervos, mas de inércia. Pois então o senhor não sai da viatura e vai ajudar,que é como quem diz empurrar a velhota dali pra fora? ele há gente comodista...
17 de janeiro de 2012 às 08:29
Isso dava muito trabalho.
18 de janeiro de 2012 às 17:53
'... há partes do meu corpo que só posso ver com os meus olhos, e há outras que só posso ver com a memória.'
gonçaolo m. tavares
(:
18 de janeiro de 2012 às 19:12
Eu tenho a colecção do Bairro toda (até à data).
18 de janeiro de 2012 às 20:40
Matador, este faz jus ao teu nick, certo?
18 de janeiro de 2012 às 20:43
Certíssimo.
23 de janeiro de 2012 às 22:52
El Matador não sejas assassino...
Rebobina...
Ideia luminosa:
1- respirar fundo
2- olhar para a esquerda
3- olhar para a direita
4- sair da viatura
5- pegar na senhora idosa
6- colocá-la no passeio
7- voltar à viatura
então:
volta a colocar a gravata, mira de soslaio o retrovisor, mete a primeira e arranca a patinar convencido que é o super-homem!
;)
23 de janeiro de 2012 às 22:55
Eu não, eu sou um mero observador.
:) e ando a pé.
26 de janeiro de 2012 às 23:20
Não sei já te disse isto, mas se não disse devia ter dito: gosto da forma como levas a extremos as coisas que nos passam pela cabeça a todos. és provocador e eu que já sei isso, deixo-me sempre levar na cantiga de uma história aparentemente normal. depois acabo de ler com aquele sorrisinho de quem foi apanhado (sem surpresas) em mais um curva.
27 de janeiro de 2012 às 09:41
Eheh.
1 de fevereiro de 2012 às 22:10
Não andes também tu a matar os velhinhos. Já chega o governo com as medidas de austeridade.
2 de fevereiro de 2012 às 08:46
ehehe, o governo não é só os velhinhos que mata com as medidas de austeridade.
14 de fevereiro de 2012 às 18:15
Ando eu a ouvir ideias, de índole sem pés nem cabeça, sem tronco, mas com partes obscenas, parvas mesmo no seu conteúdo fulcral da exploração patronal, quando me bastava apenas passar por aqui e ler a "hexologia", ou a dupla triologia de "Uma Questão..." e o meu diferendo patronal teria sido suprimido, ou quiçá resolvido, á muito da face desta terra... entrava por um ouvido e sairia ainda mais depressa do outro, sem entraves: FUCK!
Mas que lufada de ar fresco, ao final de um dia como estes... belo como sempre.
Um abraço do Canto de Cá ...
14 de fevereiro de 2012 às 18:28
ditonysius, és sempre bem-vindo.
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