…Tenho saudades da chuva. De andar de botas de água a chapinhar nas poças, admirar os girinos e apanhar agúidas. De patinar na lama e ver os outros atascados como se afundassem em areias movediças. Uma vez um amigo meu, cujo nome já não me lembro, num desses concursos de atolance, ficou de tal forma atolado que quando o puxámos, as botas ficaram lá, e ele teve que ir em meias para casa e da rua ouviram-se os gritos da sua mãe.
Mas aqui já não chove e agora já não há terra para fazer lama para os miúdos se poderem atolar. Há no entanto, muitos prédios que fazem sombra e carros que passam muito depressa, e jardins que nunca o foram senão em projecto, por isso os miúdos, podem não brincar na lama nem apanhar agúidas, mas podem engordar à sombra ou ser atropelados, o que é muito mais excitante.
Tenho saudades do frio. De dormir aconchegado por debaixo de mantas e edredons. Lembro-me de ir para a escola, a bater o queixo, com a roupa vestida por cima do pijama, de usar cachecol, luvas e gorro, acessórios que hoje me parecem um tanto estranhos quando me falam deles. Hoje durmo nu, o que também é divertido, mas há um tempo para tudo na vida de um indivíduo. O bafo quente que sopra do Sahara avança de dia para dia, como uma maré silenciosa de areia e mistério. Os meus olhos mudam de cor; do azul do mar para o castanho das dunas. As dunas são vagas que avançam silenciosas, áridas, desérticas, altas como tsunamis.
Na televisão, de vez em quando, falam do sul; o sul isto, o sul aquilo…Mas o sul onde eu vivo é outro: é um sul que fica a sul do sul. Para lá disto não existe mais nada, só o deserto, que é o norte de coisa nenhuma.
Queixo-me de barriga cheia. Sou um ingrato. Dormir nu não é mau. Costumo acordar e espreguiçar-me longamente na varanda aproveitando o fresquinho da manhã. Os meus vizinhos é que não gostam nada, ficam logo mal dispostos.
14 comentários:
19 de setembro de 2011 às 22:05
okedopÁs vezes dão saudades assim. Também tenho saudade dos meus gorros e cachecóis, de ver os meninos a jogar ao berlinde, de me atirarem balões com água... Saudades de coisas que hoje já não se vêem!!!
:)
19 de setembro de 2011 às 23:38
Hoje já não se vêem porque o homem é egoísta, não respita a natureza.
Esta reage e vinga-se no homem.
"Costumo acordar e espreguiçar-me longamente na varanda aproveitando o fresquinho da manhã. Os meus vizinhos é que não gostam nada, ficam logo mal dispostos."
Por que ficam mal dispostos?
Pelo teu nudismo?
Pelo grito do tarzan?
:)
19 de setembro de 2011 às 23:42
É o trabalho dos vizinhos, ficarem mal dispostos com as atitudes de um indivíduo. :)
20 de setembro de 2011 às 00:00
Olha, quem me dera estar assim tão ao sul que pudesse dormir nua... isso dos vizinhos, é que já não sei, rrsss Gostei, claro. beijo
20 de setembro de 2011 às 10:24
Podes sempre tentar, aí, onde estás. :)
21 de setembro de 2011 às 00:16
Muito engraçado o teu texto! Eu também sou ingrata, às vezes quero sol quando chove e quero chuva quando o sol é demais... Mas o que eu tenho medo é de um tremor de terra durante a noite e não ter nada para vestir se tiver de sair para a rua em aflição!
E o que são agúidas? Nunca ouvi falar...
21 de setembro de 2011 às 08:26
Agúidas são formigas com asas que serviam de isco quando se "armava ao pássaro". Falo no passado mas é muito possível que no campo, ainda se pratique esta forma de caçar pássaros.
21 de setembro de 2011 às 22:46
É por essas e por outras que eu encho bem a boca para dizer que sou do Norte... O sul é uma fraude. O sul não existe. Ninguém diz "eu sou do sul" como diz "eu sou do Norte" =)
21 de setembro de 2011 às 23:05
não percebeste.
22 de setembro de 2011 às 13:06
Eu sou uma boa vizinha. O meu vizinho toma banho com a janela aberta e eu não fico nada chateada:)
22 de setembro de 2011 às 13:19
Eheh, belo vizinho deve ser.
24 de setembro de 2011 às 17:39
Eu acho que percebi, mas falei no Norte a que pertenço em sentido figurado. Digo que sou do Norte, não geográfico mas de um Norte contrário a esse "Sul" onde vives e onde sentes saudades da chuva enlameada. =) Aqui não sinto saudades das coisas que falas porque ainda as vivo...
13 de outubro de 2011 às 00:15
Ah... eu já tinha passado por cá!
Não sabia o que era uma agúida... estamos sempre a aprender, desconhecia completamente.
Obg
13 de outubro de 2011 às 08:23
pois.
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