- O que fazer quando não temos um livro para ler?
- Podes sempre escrever um.
- É uma ideia mas não saberia por onde começar.
- Começa pelo princípio, é sempre um bom começo.
- No princípio era o verbo, depois apareceram os surfistas. Eram dois. Dois mais a assistente da praxe a acompanhar. Podia ser irmã, namorada, prima, escolhe tu, o parentesco não interessa aqui. É engraçado como o idílio da maioria das pessoas reside na proverbial praia deserta, com os coqueiros a abanar ao vento e o mar azul, mas se reparares bem, as pessoas na praia gostam é de estar amontoadas em grupos enormes muito colados uns aos outros; mesmo que exista ali ao lado um areal imenso para desbravar, vão colocar a sombrinha onde estiver mais gente…
- Não respeitam a distância higiénica.
- Exacto, nem a física, nem a mental. Dizia eu que os surfistas eram dois, mais a rapariga para impressionar claro está. O mar? Estava raso. Raso digo-te eu. Parecia um tapete azul muito esticado, sem um vinco, sem uma ruga que fosse. No entanto os moços vestiram os fatos de pinguim e fizeram-se ao mar na mesma. A miúda despediu-se deles emocionada, de lágrima fácil no canto do olho, como que antecipando uma viuvez anunciada; porque isto de um homem ir para o mar já se sabe…
E eles lá foram, com a água pelos joelhos; rasinha, flat como eles dizem, porque um homem nunca não desiste, não é?
Montaram-se nas tábuas, com o elástico preso ao artelho, e ali ficaram, a mirar o horizonte. Passado um bocado remaram para a esquerda e quedaram-se a olhar para o horizonte mais um bocadinho. Depois remaram para a direita e lá estava o horizonte no mesmo sítio, e eles olharam para ele.
A rapariga também fitava o horizonte, ansiosa; quando voltariam os seus homens? E chegariam salvos? De fundo ouvia-se, não sei vinda de onde, a Canção do Mar, versão Dulce Pontes, como se fosse o vento a assobiar.
A páginas tantas, os moços saltaram das tábuas e, com a água pelos joelhos, assim como entraram, saíram do mar. Estavam estafados, moídos, que isto de olhar o horizonte também cansa, porra.
A moça, qual Penélope, ao ver chegar não um Ulisses mas dois, não se conteve mais, ajoelhou-se a beijar a areia e agradeceu a Deus e à Nossa Senhora dos Navegantes e a Poseidon e a Neptuno, que se não me engano são a mesma pessoa.
Eles, finalmente em terra firme, espetaram as tábuas na areia, abancaram de encontro às dunas e comeram croissaints. Estranhamente pareceram-me mais loiros do que quando chegaram.
- Então, o que é que achas?
- A próxima vez que fores para a praia não te esqueças do livro em casa.
9 comentários:
5 de setembro de 2011 às 16:26
Fantástico!
Sem mais uma palavra.
:) desejo
5 de setembro de 2011 às 16:56
Sobre a higiene das sombrinhas... é tudo uma questão de economia. E o que está a dar é poupar... ou não?
5 de setembro de 2011 às 18:20
@Desejo: ;)
@Luísa: Neste caso não havia necessidade de tanta poupança, a praia estava quase deserta. :)
5 de setembro de 2011 às 23:48
Eu acho que devias escrever um livro.
6 de setembro de 2011 às 22:58
A próxima vez que fores à praia, decididamente, com toda a certeza, não precisas levar um livro contigo ... :)) irrepreensível. Beijo
7 de setembro de 2011 às 00:18
É já amanhã :)
7 de setembro de 2011 às 11:46
há vezes em que começo a escrever de cabeça quente e no fim leio o texto do princípio ao fim e não tem nexo nenhum... não sei se às tantas aquilo é sério ou idiota... mas a mão não quis parar sabe-se lá porque raio. e saiu aquilo...
ps: tenho um projecto no meu blog,
procuro possíveis interessados!
passa por lá, abraço!
7 de setembro de 2011 às 15:54
Beeeem... eu estou hoje de uma estupidez tal que, estando convencida que o teu post tem muito sumo, como aliás é regra, eu não fui muito capaz de o extrair... Mea culpa, mea maxima culpa. Mas mesmo assim soube bem ler. O mar estava flat mas a força da tua narrativa revela-se em píncaros vertiginosos... =)
7 de setembro de 2011 às 18:46
Não tem sumo nenhum, foi escrito na praia, só tem areia e água. :)
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