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Adaptação

| segunda-feira, 29 de junho de 2009 | |
De regresso ao trabalho, Abrenúncio notou de imediato as transformações que haviam ocorrido na sua ausência. O homem encarregue de lhe chicotear as costas e as dos seus colegas, tinha sido substituído. Já não era o velhinho Afonso com o seu chicote de couro gasto. Afonso era um bom homem e tinha desempenhado o cargo com esmero, mas ultimamente começara a perder as forças e já não chicoteava como antigamente. Como tal fora dispensado. No seu lugar pontificava agora Thor, um jovem de quase dois metros, com voz de trovão e bruto como um prédio de casas. Às primeiras chicotadas, o seu belo e negro chicote entrançado de cabedal levou logo consigo, pedacinhos de pele do lombo dos infelizes. Já não estavam habituados, e por isso estranharam um pouco, quando o sangue quente misturado com o suor lhes escorreu pelo dorso abaixo. Outra das modificações foi o número de participantes activos por bancada. Onde outrora se sentavam quatro colegas, agora o número fora reduzido para dois, duplicando assim o trabalho tal como a quantidade de chicotadas recebidas.Também haviam trocado de instrumento de percussão. O velho e pachorrento tambor que marcava com paciência o ir e vir das manobras, fora substituído pelo rufar nervosinho da tarola que, não se cansava com o incessante baquetear. O resultado final não melhorara por aí além, mas a gestão estava satisfeita. Abrenúncio, que já não era um moço novo, tentava acomodar-se como podia à nova condição. Tomou uma nota mental: «Um dia destes...Comprar mais pomada para as feridas».

4 comentários:

roserouge Says:
30 de junho de 2009 às 00:29

Bem sei o que isso é. E o pior é quando um dia chegas lá e já não há chicote, nem carrasco, nem trabalho. Só pomada para as feridas...

El Matador Says:
30 de junho de 2009 às 08:17

"Welcome my son, Welcome to the Machine..."

roserouge Says:
30 de junho de 2009 às 09:53

Eu conheço isso. É Pink Floyd, não é?

El Matador Says:
30 de junho de 2009 às 10:27

É.