
Certa vez, de visita a uma cidade do estrangeiro, Zeferino deparou-se com um pedinte que lhe despertou a atenção. Foi na escadaria que levava ao Castelo; prostrado de joelhos, com a testa afundada nos antebraços e as palmas das mãos em concha viradas para cima. Não falava e não se mexia um centímetro que fosse, deixava-se estar apenas, em silêncio, como se pedisse clemência, num acto de tal abnegação que intrigava quem passava: estaria a pedir esmola, ou estaria a pedir perdão? As pessoas, intrigadas, seguiam caminho; receavam que ao deixar a esmola o pudessem despertar de tão profunda meditação.
Horas depois, já na vinda para baixo, Zeferino foi encontrar o homem no mesmo sítio na mesmíssima posição, como se o tempo não tivesse passado por ele, como se duma estátua se tratasse, como se não estivesse vivo. Uma diferença apenas: na concha das mãos aninhavam-se algumas moedas, alguém já tinha feito a experiência e confirmado a tese, era mesmo um pedinte.
Hoje, ao passar por uma esplanada, onde um grupo de senhoras trincava pastéis de nata polvilhados de canela, Zeferino, numa associação de ideias transviadas lembrou-se do mendigo estrangeiro:
- Um dia destes havemos estar todos como o pedinte – pensou – Uns de joelhos, outros a pedir esmola.
Soara a sirene em Zebulon 5. Era o aviso de que uma tempestade solar se avizinhava. Havia tempo suficiente para os habitantes da colónia acabarem os seus afazeres e se deslocarem-se para casa em segurança, sem pânicos. Anacleto – O Palhaço, arrumou os malabares, as bisnagas de água, os balões coloridos mas manteve o nariz vermelho. Era a sua imagem de marca; sem ele as pessoas não o reconheciam, e, mesmo em tempos de crise e tempestades solares, o marketing era uma mais valia no mercado circense. Apanhou o Subcolon, que era o comboio subterrâneo das colónias que tinha nome de clister. Toda a gente o reconheceu: «Olha! É o palhaço Anacleto» gritaram uns «Ah! Ganda palhaço» sustentaram outros, e mesmo ali exigiram que fizesse um sketch – só para passar o tempo e animar a malta. Como não tinha nada preparado improvisou a velha pantomima do funcionário público, que enfia uma sonda rectal p'lo cu do utente acima, só para lhe avaliar o produto interno bruto. Foi um sucesso como sempre. Toda a gente aplaudiu: «Palhaço Anacleto, és o maior!» gritavam e davam-lhe palmadas fortes nas costas.
