Ildefonso procurava todos os dias a inspiração para o seu grande surto criativo. A grande obra, aquela que faltava ser escrita, ia ser a sua obra prima. Todos os dias ia beber café ao mesmo sítio. Sentava-se sempre na mesa do fundo. Fumava cigarros e observava a vida acontecer à sua frente. Queria captar a realidade das emoções, o instante da angústia, a iminência do sofrimento. Tinha um bloco preto onde tirava apontamentos e anotações sobre personagens e enredos. Às vezes descrevia momentos caricatos que se desenrolavam à sua frente; o casal que desmanchava o namoro, a mulher que apanhava o marido a olhar para as pernas da empregada de mesa, o jovem que saía de fininho sem pagar a conta. Inúmeros cafés depois e muitos cigarros fumados, voltava para casa onde jantava e ficava o resto da noite a rever os apontamentos. Por mais que uma vez sentara-se à máquina de escrever e iniciara a escrita daquele que iria ser o maior romance da história, mas, como as duas primeiras linhas nunca estavam à altura de tal epíteto, depressa rasgava a folha e ia deitar-se. Rasgava muito Ildefonso. Mais que um escritor, Ildefonso era principalmente um rasgador. Mais que rasgador era ainda um sonhador. Chegava a manhã e Ildefonso retomava a sua rotina. Desfazia a barba, vestia-se muito aprumado e seguia para o seu posto de vigia. Muitos cafés, muitos cigarros, muitos apontamentos depois retornava ao remanso do seu canto. Havia ainda muito que rasgar até o parir da obra-prima.
No café, as pessoas viam aquele homenzinho, aquela fraca figura, a fumar, a beber café e a tirar apontamentos muito nervoso e tinham pena dele; da sua solidão. Chamavam-lhe “o maluquinho”. «Qualquer dia mata-se» afirmavam alguns, «E não deve tardar muito» alvitravam outros. «Desde que não seja cá dentro,...» rematava sempre o dono do estabelecimento.
No café, as pessoas viam aquele homenzinho, aquela fraca figura, a fumar, a beber café e a tirar apontamentos muito nervoso e tinham pena dele; da sua solidão. Chamavam-lhe “o maluquinho”. «Qualquer dia mata-se» afirmavam alguns, «E não deve tardar muito» alvitravam outros. «Desde que não seja cá dentro,...» rematava sempre o dono do estabelecimento.
2 comentários:
20 de agosto de 2009 às 10:25
Para escrever a solidão é necessária e ser maluquinho também ;)
beijos
20 de agosto de 2009 às 10:57
E inspiração da boa.
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