Pessoalmente sentia-se um farol. De olhos abertos à noite alertando as almas perdidas para que não se aproximassem muito dos vivos. Passava as suas temporadas de vela assim; de braços abertos, estático, a falar com os mortos. Os mortos visitavam-no à beira da cama todas as noites e faziam-lhe companhia. Discutia sobre política, e outros assuntos que interessavam aos mortos. Não percebia nada de futebol, nem sequer se interessava pelo jogo, mas começou a ler os jornais da especialidade só para ter o que dizer à noite. Os mortos gostavam de bola. Às vezes os mortos perdiam-se pelo caminho, e não dariam com ele não fosse a luz dos seus glezes insones iluminar toda a noite penada. Os vizinhos queixavam-se do barulho das cadeiras a arrastar e da conversa que se prolongava até de madrugada, às vezes chamavam a polícia. A sua reputação no prédio já não era das melhores, e aquelas temporadas zombie só o prejudicavam ainda mais.
Só descansava uma vez por semana, ao domingo. Que era o dia em que os mortos visitavam os seus familiares. Era também o dia em que se sentia mais só.
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