O meu vizinho era um homem prático. Como homem resoluto e racional, era tão ateu que os rosários se partiam à sua passagem. Uma vez entrou forçado numa igreja e as beatas apagaram-se de imediato. Não acreditava em crendices e desdenhava todas as superstições. Um dia porém, ao sair de uma cervejaria, num estado muito pouco católico, sentiu uma presença estranha num recanto escuro da rua. Na condição ziguezagueante em que estava, decidiu apanhar um táxi e começou a descer a velha rua em direcção à doca. Quanto mais depressa andava mais sentia aquela incerteza estranha perto de si. Era algo escuro e incómodo e violentamente sarcástico. A uma certa altura, já movido pelo pânico, desatou a correr, e, quase a chegar à praça de táxis, dobrou uma esquina onde foi decapitado pelo Absurdo que o perseguia. Não houve testemunhas. Quem encontrou o corpo, descreve a cara do meu vizinho (separada do corpo)como que presa num esgar de horror. O horror de se ter confrontado com o Absurdo foi demais para ele; o corpo não aguentou o choque e rejeitou completamente a cabeça.
5 comentários:
9 de maio de 2009 às 21:53
Bem, estou abismaravilhado com o teu post, o qual é simplesmente fabuloso. :-o
9 de maio de 2009 às 22:07
obrigado Maldonado e bem-vindo.
10 de maio de 2009 às 12:36
escrita divina e depurada, qual grande Lobo qual quê!
Sou mais ou menos como o teu vizinho, mas nunca me senti seguida, e acho que se algum dia o sentir, peço um internamento para ontem...
beijo e boa semana :)
10 de maio de 2009 às 13:43
Esperemos que não seja preciso. Boa semana para ti.
10 de maio de 2009 às 16:28
Ganda pedra! Tens mais desta erva?
Enviar um comentário