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Da Assimetria do Cansaço

| sábado, 12 de janeiro de 2013 | |



Não há mais a dizer que não seja: o cansaço. O cansaço comanda a vida. Insurge-se-lhe sub-repticiamente. Baralha-lhe as ideias. Obstrui-lhe o senso comum, a decisão sensata. O cansaço toma decisões independentes de um cérebro que não o consegue controlar e no fim desculpa-se: foi o cansaço.
Está na base de todos os ismos de todas as guerras e revoluções. Foi por cansaço que o Cristo se deixou levar ao monte Gólgota. Entregou-se de corpo e alma à fustigação tonitruante, em virtude da amnistia de um povo criado e abençoado por deus. Deus, que ao fim e ao cabo eram ele e mais dois transfigurados num só. A diversidade na unidade. «Que canseira!» disse Pilatos ao tentar compreender o paradoxo, e ainda que lhe esperasse nas termas um banho quente numa infusão de ervas aromáticas, ficou-se por uma simples lavagem de mãos.
Até Judas, o apóstolo inteligente, cansou-se um dia de toda a mistificação do cansaço perene. Farto de dar a outra face e de amar o próximo; farto dos milagres de pacotilha, da política em prol dos pobres e desfavorecidos, dos reformados, dos doentes, dos cegos e paralíticos, dos ciganos e bombeiros, dos viciados em láudano; alardeou um dia: fuck you guys, i’m goin’ home!
«Quem é que eu tenho que beijar para sair deste cansaço miserável?»- Perguntou o apóstolo inteligente antes de perder as botas (que na verdade eram sandálias) no seu próprio cu. 
Hoje passei por uma estante no sweet drop onde se oferecia um copo  de whisky na compra de uma garrafa. Eu como gosto de copos e promoções agarrei de imediato na garrafa. Mais tarde regurgitei: com o dinheiro daquela garrafa poderia ter comprado cinquenta copos. 
Mas tal como o Cristo redentor, deixei-me sacrificar ao deus antropomórfico dos mercados, do dinheiro e da economia. «Deus é o dinheiro, só é salvo quem o adorar»  cantou a sábia e não menos cansada Lena d’Água nos idos de oitenta. Estar cansado é condição sine qua non para se ser cidadão deste cubículo golfista, como atesta o próprio documento na sua designação: C.C. – Cartão de Cansaço.
Nós o que precisamos não é de austeridade nem de subsídios em duodenos. Não precisamos da imaginária Europa prostituída, nem sequer dum pangermanismo pós-moderno disfarçado de gorda arrogante. O que a malta precisa é de descanso…Ou então de uma guerra: provam as estatísticas que durante as guerras os suicídios baixam consideravelmente.

8 comentários:

Anónimo Says:
12 de janeiro de 2013 às 00:21

Quem és tu que escreves de uma forma brutal? Quase assustadora?!

Muito bom! :D

El Matador Says:
12 de janeiro de 2013 às 00:30

Como diria o romeiro: Ninguém!

Anónimo Says:
12 de janeiro de 2013 às 00:40

porra. porra. porra.

Briseis Says:
12 de janeiro de 2013 às 00:42

Que Deus (o mesmo que integra a tríade, que se finou de cansaço) não permita que o nosso cansaço não tenha descanso.

Anónimo Says:
12 de janeiro de 2013 às 00:46

roubei.

El Matador Says:
12 de janeiro de 2013 às 00:55

@Briseis: Só quando o nosso cansaço tiver descanso é que poderemos ter energia para fazer alguma coisa. Deus pode ajudar se quiser mas parece-me que começou a abster-se desde o oitavo dia.

El Matador Says:
12 de janeiro de 2013 às 00:56

@aNon: Rouba agora que ninguém tá a ver. :)

luisa Says:
13 de janeiro de 2013 às 21:08

É melhor a malta descansar. A guerra também cansa.