Não há mais a
dizer que não seja: o cansaço. O cansaço comanda a vida. Insurge-se-lhe
sub-repticiamente. Baralha-lhe as ideias. Obstrui-lhe o senso comum, a decisão
sensata. O cansaço toma decisões independentes de um cérebro que não o consegue
controlar e no fim desculpa-se: foi o
cansaço.
Está na base de
todos os ismos de todas as guerras e
revoluções. Foi por cansaço que o Cristo se deixou levar ao monte Gólgota. Entregou-se de corpo e alma à fustigação tonitruante, em virtude da amnistia de um povo criado
e abençoado por deus. Deus, que ao fim e ao cabo eram ele e mais dois transfigurados
num só. A diversidade na unidade. «Que canseira!» disse Pilatos ao tentar compreender o paradoxo, e ainda
que lhe esperasse nas termas um banho quente numa infusão de ervas aromáticas,
ficou-se por uma simples lavagem de mãos.
Até Judas, o
apóstolo inteligente, cansou-se um dia de toda a mistificação do cansaço perene.
Farto de dar a outra face e de amar o próximo; farto dos milagres de pacotilha,
da política em prol dos pobres e desfavorecidos, dos reformados, dos doentes, dos
cegos e paralíticos, dos ciganos e bombeiros, dos viciados em láudano; alardeou um dia: fuck you guys, i’m goin’ home!
«Quem é que eu
tenho que beijar para sair deste cansaço miserável?»- Perguntou o apóstolo
inteligente antes de perder as botas (que na verdade eram sandálias) no seu próprio cu.
Hoje passei por
uma estante no sweet drop onde se
oferecia um copo de whisky na compra de
uma garrafa. Eu como gosto de copos e promoções agarrei de imediato na
garrafa. Mais tarde regurgitei: com o dinheiro daquela garrafa poderia ter comprado
cinquenta copos.
Mas tal como o Cristo redentor, deixei-me sacrificar ao deus antropomórfico
dos mercados, do dinheiro e da economia. «Deus é o dinheiro, só é salvo quem o
adorar» cantou a sábia e não menos
cansada Lena d’Água nos idos de oitenta. Estar cansado é condição sine qua non para se ser cidadão deste cubículo golfista, como
atesta o próprio documento na sua designação: C.C. – Cartão de Cansaço.
Nós o que
precisamos não é de austeridade nem de subsídios em duodenos. Não precisamos da imaginária Europa prostituída, nem sequer dum pangermanismo pós-moderno disfarçado de gorda arrogante.
O que a malta precisa é de descanso…Ou então de uma guerra: provam as
estatísticas que durante as guerras os suicídios baixam consideravelmente.
8 comentários:
12 de janeiro de 2013 às 00:21
Quem és tu que escreves de uma forma brutal? Quase assustadora?!
Muito bom! :D
12 de janeiro de 2013 às 00:30
Como diria o romeiro: Ninguém!
12 de janeiro de 2013 às 00:40
porra. porra. porra.
12 de janeiro de 2013 às 00:42
Que Deus (o mesmo que integra a tríade, que se finou de cansaço) não permita que o nosso cansaço não tenha descanso.
12 de janeiro de 2013 às 00:46
roubei.
12 de janeiro de 2013 às 00:55
@Briseis: Só quando o nosso cansaço tiver descanso é que poderemos ter energia para fazer alguma coisa. Deus pode ajudar se quiser mas parece-me que começou a abster-se desde o oitavo dia.
12 de janeiro de 2013 às 00:56
@aNon: Rouba agora que ninguém tá a ver. :)
13 de janeiro de 2013 às 21:08
É melhor a malta descansar. A guerra também cansa.
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