A manhã chega...chega...chega
Por onde anda você?...
Eufrázia era uma intelectual, uma mulher culta, formada, possuidora do mais fino gosto e trato; gostava de ir à ópera e ao teatro e de beber flutes de champagne.
Labregoísio era do género humilde, simples, terra a terra, forte e brutalmente sincero, gostava de caracóis e do Benfica.
Ela, quando frequentava os círculos da intelligentsia da Cidade, discutia filosofia contemporânea, o estado da economia e a influência da arte no pensamento moderno. Era respeitada ao mais alto nível e as suas dissertações eram aguardadas com ansiedade.
Quando Labregoísio saía à noite, já se sabe, era para beber mines e jogar snuckre. Devido à sua formação profissional, não podia ouvir o ruído de um motor sem deixar de dar a sua opinião de entendido. Longas eras as horas que passava nas Tasca do Alambáceo, a explicar a complexidade do motor de explosão a quatro tempos, com os seus cilindros e êmbolos, e o cárter, é importante não esquecer o cárter. Era uma sumidade entre os amantes das bielas.
Ela sofria com o Kafka. Ele sofria com o Cardoso. Ela debatia-se com a eterna dúvida: caviar beluga ou trufas de Alba? Ele, quando não havia tremoços comia amendoíns, o que não podia faltar era a frescura que às vezes o deixava na incerteza: Super-Bock ou Sagres?
Quando num dia de chuva se encontraram, havia entre eles um abismo colossal, mas amaram-se como selvagens à distância de apenas um beijo.
Para a Fábrica de Letras - Abismo
Por onde anda você?...
Eufrázia era uma intelectual, uma mulher culta, formada, possuidora do mais fino gosto e trato; gostava de ir à ópera e ao teatro e de beber flutes de champagne.
Labregoísio era do género humilde, simples, terra a terra, forte e brutalmente sincero, gostava de caracóis e do Benfica.
Ela, quando frequentava os círculos da intelligentsia da Cidade, discutia filosofia contemporânea, o estado da economia e a influência da arte no pensamento moderno. Era respeitada ao mais alto nível e as suas dissertações eram aguardadas com ansiedade.
Quando Labregoísio saía à noite, já se sabe, era para beber mines e jogar snuckre. Devido à sua formação profissional, não podia ouvir o ruído de um motor sem deixar de dar a sua opinião de entendido. Longas eras as horas que passava nas Tasca do Alambáceo, a explicar a complexidade do motor de explosão a quatro tempos, com os seus cilindros e êmbolos, e o cárter, é importante não esquecer o cárter. Era uma sumidade entre os amantes das bielas.
Ela sofria com o Kafka. Ele sofria com o Cardoso. Ela debatia-se com a eterna dúvida: caviar beluga ou trufas de Alba? Ele, quando não havia tremoços comia amendoíns, o que não podia faltar era a frescura que às vezes o deixava na incerteza: Super-Bock ou Sagres?
Quando num dia de chuva se encontraram, havia entre eles um abismo colossal, mas amaram-se como selvagens à distância de apenas um beijo.
Para a Fábrica de Letras - Abismo
29 comentários:
1 de abril de 2010 às 21:41
Com uns nomes desses, o abismo já é por si só inevitável...
Agora a sério, muito bom este texto. A diferença que existe na diferença é na maior parte das vezes o que melhor nos une e nos define.
Beijinho :)
1 de abril de 2010 às 22:08
Gostei muito do texto.
Existem histórias deste género que podem ser vividas com intensidade, mas não há nenhuma que sobreviva. Podem durar mais ou menos tempo mas um dia a ponte vai ruir... De qualquer modo a ideia tem o seu encantamento.
1 de abril de 2010 às 22:39
@Helga - A diferença é o que nos atrai, mesmo nas leis da física; um abismo é um desafio da física e um apelo à originalidade.
@Nénix - Obrigado. Quando a ponte ruir, ficam as lembranças da ponte que existiu e voltam-se a construir mais, ou pelo menos tentar.
1 de abril de 2010 às 22:41
Linda história e adistâncoia de um beijo é fácil de chegar...beijos,linda Páscoa!chica
1 de abril de 2010 às 22:55
Como dizia Nietzsche: que tenha asas quem sonda os abismos.
Mas isso nunca dá certo. Em passando aquela tesão inicial (que até pode durar anos) não há nada para conversar. E ninguém quer viver com um mono.
Mas gostei muito do texto. Aliás, como sempre.
1 de abril de 2010 às 23:14
@Chica - Obrigado e boa páscoa.
@Roserouge - Passando aquela "fase" inicial passa-se para outra fase inicial (Eheheheh). Obrigado Rose, e pela visita também.
2 de abril de 2010 às 11:44
Muito bom. Adorei. Realmente às vezes a felicidade pode estar no nosso oposto. Eu acredito que pessoas opostas por vezes podem se complementar mais do que as muito parecidas... bjs
2 de abril de 2010 às 13:27
É isso.
2 de abril de 2010 às 16:56
De onde se conclui que o abismo é um conceito muito relativo (diria a Eufrázia, sacudindo as cascas de amendoim do peito do seu amado!).
2 de abril de 2010 às 17:27
Exacto (ahahah).
2 de abril de 2010 às 17:33
"Ela sofria com o Kafka. Ele sofria com o Cardoso."
E estranhamente, ao fim de um tempo já ela sofria não só com Kafka mas também com o Cardoso...
Quando se ama meeeesmo, parece que até o futebol passa ter interesse.
Ainda bem que estás de volta
beijos
2 de abril de 2010 às 21:28
Obrigado Joaninha.
3 de abril de 2010 às 07:40
Olá,
ótimo texto, com pique; rítmo rápido!
Gosto muito.
E viva as diferenças!
li
3 de abril de 2010 às 08:48
Olá, obrigado pela visita e pelo comentário.
4 de abril de 2010 às 22:43
Olá, El Matador! :)
Obrigada pela visita e comentário!
Gostei muito do seu texto, é uma linda representação do amor entre pessoas opostas.
Abraço,
Ane
4 de abril de 2010 às 23:04
Olá Ane
Obrigado pela visita e comentário.
5 de abril de 2010 às 18:43
Gostei muito do texto, inteligente, criativo e cheio de humor! kisses
5 de abril de 2010 às 19:28
Obrigado Tulipa.
5 de abril de 2010 às 22:19
Ora aqui está uma forma de contar uma verdadeira história de amor sem quaisquer romanticismos e eufemismos. A verdade pura e dura como ela é na realidade.
Gostei imenso.
5 de abril de 2010 às 22:40
Fico contente que tenhas gostado Su.
7 de abril de 2010 às 01:16
Não é por acaso que quando a chuva cai no deserto até as flores brotam... pois é... a chuva faz milagres!
Adorei o sentido irónico do texto, mas a brincar a brincar existem muitos Labregoísios e Eufrásias neste Mundo, ou os opostos não se atraíssem...
bjs
7 de abril de 2010 às 18:00
Lindo...e os nomes das personagens são de morrer! Onde é que se desenganta um Labregoísio ou um Alambácio???
7 de abril de 2010 às 18:23
@MZ - Tens razão, eles andam aí.
@Luísa - O Labregoísio já anda comigo há muito tempo, o Alambáceo fez a sua estreia neste texto.
E obrigado pela visita.
7 de abril de 2010 às 19:50
Há aí outro abismo porque não conheço NINGUÉM (note-se na certeza estúpida a negrito) que fique na dúvida entre Sagres e Superbock. Há dois tipos de homens, os que bebem Sagres e os que bebem Superbock e nenhum troca.
... A não ser que não haja.
7 de abril de 2010 às 20:10
Ehehehe, tens razão, mas depois há aquele grupo de homens que bebem tudo, até água às vezes.
8 de abril de 2010 às 11:37
Muito bom o texto. Estes abismos cinematográficos que na realidade não acontecem porque normalmente as ruas que frequentam não são as mesmas, acabam por nos dar esperança que estes abismos se unam um dia e que as diferenças sociais diminuam... mas não... o ser humano cria os seus próprios abismos e não deixa ninguém aproximar-se.
8 de abril de 2010 às 13:50
o ser humano é um abismo dentro do abismo, ou como diria o Caetano Veloso: o avesso do avesso do avesso.
16 de abril de 2010 às 10:18
E lá poderia eu viver com alguém igual a mim??? 'Deus' me livre e me guarde de ter uma ideia estapafúrdia dessas!! :D
Em quase tudo na vida é assim: os opostos atraem-se e ponto final! Apaixono-me (nem que seja só por tesão) pelo meu semelhante, justamente porque não é igual a mim. Nem na sua forma, nem no seu viver, nem no seu pensar.
Muito bom (como é óbvio)!!
Beijinho**
16 de abril de 2010 às 10:31
Completamo-nos na diferença
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