Uma mão lava a outra; sempre ouvira dizer, e, foi precisamente quando ia lavar as mãos que Labregoísio reparou que lhe faltava a esquerda. «Oh Diabo!» exclamou «isto não augura nada de bom». Desaparecera-lhe a mão esquerda, assim sem mais nem menos, do pé para a mão. Era uma constante na vida de Labregoísio as coisas desaparecerem-lhe; um efeito secundário da sua distracção crónica, do seu estado de permanente esquecimento. «Ai homem, só não perdes a cabeça porque está agarrada ao corpo!» admoestara-lhe tantas vezes a mulher, e desta vez a coisa acontecera mesmo; não com a cabeça claro está, mas com a mão esquerda, que também tem a sua importância no dia-a-dia dum indivíduo. Já havia perdido ou esquecido muitas coisas na sua vida: o chapéu de chuva, as chaves do carro, o carro, os óculos de sol, os óculos de ver, as lentes de contacto e uma vez esquecera-se da mulher na praia, e só se lembrou dela no outro dia de manhã. Mas aquilo era demais; um pedaço inteiro do corpo? Nunca lhe tinha acontecido.
Lembrou-se que nessa tarde tinha ido ao dentista e de lá voltara directamente para casa. Telefonou.
-Boa tarde, o meu nome é Labregoísio, eu estive aí em consulta há pouco e queria saber se por acaso não teria deixado aí esquecida a minha mão esquerda?
-A sua mão esquerda?...Como é que ela é?
-É uma mão normal, acho eu, cinco dedos...
-Algum sinal distintivo?
-A unha do dedo mindinho é maior que as outras...
-Pois claro...Um momento que eu vou ver.
Labregoísio aguardou em suspenso. Olha que chatice. É que a mão esquerda, por muito que fosse mal vista, dava um jeito do caraças em certas ocasiões. A mão direita por exemplo, quando se apanhava sozinha, assumia de imediato comportamentos autocráticos e punha-se com a mania que mandava no corpo todo...Era por isso que ele precisava desesperadamente da esquerda, para contrabalançar.
-Não, aqui não está, encontrámos foi uma luva preta...
-Oh! Deixe estar, a minha mão não tinha luva. Obrigado e desculpe a maçada.
E agora? Como é que ele podia voltar para casa sem a mão esquerda? A mulher de certeza que ia por-se logo a ralhar. Parece que já a estava a ouvir «andaste, andaste e perdeste mesmo a mão esquerda, Ah! Eu bem que te avisei...»
Entrou em casa e a mulher já o esperava para jantar, mal o viu não durou mais de dois segundos a perceber que algo estava errado, mas não disse nada. Foi só quando estavam sentados à mesa, enquanto Labregoísio tentava disfarçar contando anedotas do trabalho, que ela com o seu ar polar, lançou o tema como quem lança um infiel à fogueira:
- Onde é que está a tua aliança?
Lembrou-se que nessa tarde tinha ido ao dentista e de lá voltara directamente para casa. Telefonou.
-Boa tarde, o meu nome é Labregoísio, eu estive aí em consulta há pouco e queria saber se por acaso não teria deixado aí esquecida a minha mão esquerda?
-A sua mão esquerda?...Como é que ela é?
-É uma mão normal, acho eu, cinco dedos...
-Algum sinal distintivo?
-A unha do dedo mindinho é maior que as outras...
-Pois claro...Um momento que eu vou ver.
Labregoísio aguardou em suspenso. Olha que chatice. É que a mão esquerda, por muito que fosse mal vista, dava um jeito do caraças em certas ocasiões. A mão direita por exemplo, quando se apanhava sozinha, assumia de imediato comportamentos autocráticos e punha-se com a mania que mandava no corpo todo...Era por isso que ele precisava desesperadamente da esquerda, para contrabalançar.
-Não, aqui não está, encontrámos foi uma luva preta...
-Oh! Deixe estar, a minha mão não tinha luva. Obrigado e desculpe a maçada.
E agora? Como é que ele podia voltar para casa sem a mão esquerda? A mulher de certeza que ia por-se logo a ralhar. Parece que já a estava a ouvir «andaste, andaste e perdeste mesmo a mão esquerda, Ah! Eu bem que te avisei...»
Entrou em casa e a mulher já o esperava para jantar, mal o viu não durou mais de dois segundos a perceber que algo estava errado, mas não disse nada. Foi só quando estavam sentados à mesa, enquanto Labregoísio tentava disfarçar contando anedotas do trabalho, que ela com o seu ar polar, lançou o tema como quem lança um infiel à fogueira:
- Onde é que está a tua aliança?
13 comentários:
28 de abril de 2010 às 00:10
Perdeu a mão esquerda...pois...há sempre uma boa desculpa. A mulher do Labregoísio que não se deixe enganar. Homens...todos iguais!!!
28 de abril de 2010 às 07:33
Ehehehe
28 de abril de 2010 às 10:50
Comentário visto do ponto de vista feminino: ;) o Labregoísio não conhece a expressão "foram-se os aneis mas ficaram os dedos" ;) não era preciso perder a mão inteira...
Comentário visto do ponto de vista masculino: ;) sou um coitadinho, perco a mão e ela só repara é que falta a aliança.
Kisses e um bom dia!
28 de abril de 2010 às 10:56
O Labregoísio é um distraído exagerado. A mulher reparou logo no anel porque já estava à espera de algo do género.
28 de abril de 2010 às 21:30
Lúcia no Céu com Diamantes. Texto magnífico. Andas a perder-te, rapaz. Estes teus textos deveriam andar por aí, num livrinho qualquer. E serem lidos em voz alta, numa tertúlia de amigos. De preferência, já meio labregoísios também. Eu compro o livro.
28 de abril de 2010 às 21:54
Ehehe, Obrigado pelo apoio Rose. Se houvesse quem os publicasse até eu comprava o livro. Mas se formos ver bem, mais público do que aqui não há.
29 de abril de 2010 às 17:54
Ai 'Matador' que bom sentido de humor!!!
Adorei... adorei...
A preocupação dela foi com a ALIANÇA... qual braço qual quê? Muito bom!
bjs
29 de abril de 2010 às 18:28
Obrigado MZ :)
30 de abril de 2010 às 09:59
Nem vai haver mais público se nunca fizeres nada. Podes sempre ficar aí sentadinho a fumar e a fazer anéis de fumo com a boca. Ah é verdade, deixaste de fumar... bem, podes então entreter-te a procurar a mão esquerda. Pode ser que um desses anéis de fumo seja a tal aliança...
Mandei-te um mail ontem, viste?
2 de maio de 2010 às 11:01
O que um papel pesa na mão esquerda e o que uma mão esquerda pesa numa pessoa...
Está brutal!
2 de maio de 2010 às 11:26
Obrigado Lavadeira, bem-vinda.
2 de junho de 2010 às 21:04
Sensacional.
Beijo x
Paula
2 de junho de 2010 às 21:22
Obrigado Paula e obrigado pela visita.
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