Cirandava de um lado para o outro e volta e meia parava em frente ao espelho para se certificar que era mesmo ele que ainda ali estava. Abriu a janela por causa do calor. Um bafo quente e seco varreu-o na intimidade de alto a baixo mas o que sentiu foi um arrepio; suor frio, nas têmporas. Sentou-se, não sem antes lançar uma olhadela rápida ao espelho, confirmou a sua presença e decidiu escrever um postal. É preciso deixar estas impressões no papel, ou neste caso, no mundo digital; é preciso deixar impressões digitais, pegadas na areia cibernética. Encheu os pulmões do ar andaluz que o inspirava. Era ele que inspirava o ar ou era o ar que o inspirava? É preciso deixar tudo no papel, isto não é normal. Um fio de suor escorreu-lhe pela testa:glacial e salgado como o mar do norte. «Estou doente, é um facto, mas ninguém vai acreditar...» As artérias esticavam-se no cérebro como se se espreguiçassem. Que hora estranha para as artérias acordarem! As artérias dormem até tarde no Verão, e quando se espreguiçam, o sangue corre fininho pelo cérebro e as ideias circulam com dificuldade. Tapou as orelhas para as ideias não fugirem; levantou-se e foi ao espelho: ainda lá estava. Destapou as orelhas e tapou a boca, «Assim não consigo escrever». Destapou a boca e tapou o nariz; não há solução, as ideias hão-de encontrar sempre um sítio por onde fugir. Fogem por todos os lados e não se concentram nos dedos. Os dedos precisam de ideias. Os dedos estavam frios.
Olhou pela janela: um tuareg passeava no seu dromedário descapotável. «É preciso escrever isto, depressa, antes que fuja...» O ar volátil, o delírio presente: era o levante.
Olhou pela janela: um tuareg passeava no seu dromedário descapotável. «É preciso escrever isto, depressa, antes que fuja...» O ar volátil, o delírio presente: era o levante.
12 comentários:
19 de julho de 2010 às 23:15
É quase como uma miragem...ele, o que sente e o que vÊ!
Remoínham as imagens e as sensações, as ideias vagueiam e dissipam-se rápidamente se não as imprimimos de alguma forma.
19 de julho de 2010 às 23:20
Se não as fixamos, esfumam-se.
20 de julho de 2010 às 00:25
Gostei tando da imagem das ideias a fugirem pelas orelhas... :)))Indeed I think you're both ok now!
20 de julho de 2010 às 08:37
:):):)
20 de julho de 2010 às 23:01
Há que preservar as ideias,escrevê-las é uma boa forma! kiss
20 de julho de 2010 às 23:08
Uma das melhores, penso eu.
21 de julho de 2010 às 00:06
isto está a ficar cada vez melhor. é um prazer, ler-te.
21 de julho de 2010 às 07:32
Obrigado Peanut, volta sempre.
22 de julho de 2010 às 09:15
Adorei este texto pelo caráter poético que tu destes a ele:
"As artérias esticavam-se no cérebro como se se espreguiçassem. Que hora estranha para as artérias acordarem! As artérias dormem até tarde no Verão, e quando se espreguiçam, o sangue corre fininho pelo cérebro e as ideias circulam com dificuldade."
Linda metáfora! Belo texto!
Beijinhos,
Ane
22 de julho de 2010 às 09:19
Obrigado Ane, é bom ouvir isso. Obrigado também pelos selos que gentilmente me passaste.
24 de julho de 2010 às 04:14
El Matador, querido! Eu que agradeço por tão gentis comentários! Você é merecedor de todos os selos que a ti repassei. =]
Beijo grande,
Ane
25 de julho de 2010 às 01:50
Eh lá, isto está a correr bem...
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