Esmeraldina ficava a ver as horas do relógio passar e não dormia. Não que tivesse insónias, nada disso, olhar as horas era para ela um passatempo, uma espécie de encantamento. Em casa, na rua, na repartição de finanças, no banco e principalmente na praça municipal que tinha um relógio daqueles grandes, antigos, na parede da torre majestosa. Bastavam os seus olhos cruzarem-se com qualquer um desses medidores do tempo para ela estacar, em transe, como se o mundo à sua volta suspendesse a rotação, a translação, como se alguém carregasse no pause de um qualquer comando perdido no sofá de Deus. A princípio pensou tratar-se do movimento circular dos ponteiros que a hipnotizavam, mas mais tarde, quando comprou um relógio-despertador digital deu-se conta que o feitiço era o mesmo; um segundo, dois segundos, meia-hora, um dia.
Para ela decorriam apenas segundos do início ao termo do quebranto; vista de fora no entanto, assemelhava-se a uma estátua de carne e osso, catatónica, petrificada pelas horas. Certa vez, um homem, por acaso, ou por destino, ou por simples coincidência, deparou-se com a figura estática de Esmeraldina no meio da praça, e foi das coisas mais maravilhosas que viu na vida. Sem que desse conta disso quedou-se a admirar aquela mulher, de olhar vago, algo triste, algo esperançado, algo misterioso. E pareceu-lhe que isso era tudo o que havia a fazer na vida. Quem frequenta os espaços comerciais da praça não consegue compreender(talvez por falta de imaginação, talvez por preconceito)aquela forma de amor à distância. Nem o dela pelo relógio, nem o dele por ela.
8 comentários:
18 de junho de 2010 às 23:43
Eu consigo... Cada segundo.
18 de junho de 2010 às 23:49
Acredito que sim.
19 de junho de 2010 às 16:04
O tempo é mágico e o amor hipnótico. :)
19 de junho de 2010 às 16:18
E vice-versa.
19 de junho de 2010 às 17:28
Não há compreensão para o amor...
19 de junho de 2010 às 17:37
[...]Que a própria razão desconhece.
6 de julho de 2010 às 09:18
Além do encanto dela pelo relógio e dele por ela, este texto também é um encanto.
6 de julho de 2010 às 18:39
Obrigado Ane, é muito bom ouvir isso de ti.
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