“...mas sobretudo a cidadeEla olhava para o relógio e batia o pé nervosa. Já era tarde; quase pôr-do-sol e ele nada, atrasado como sempre. Tinham acertado os relógios um pelo outro para nunca se desencontrarem, e agora ali estava ela à hora marcada, à espera, sempre à espera de continuar a sua vida com ele. Acendeu um cigarro com a beata de outro e bateu o pé. Pôs a mão na anca, tirou a mão da anca, soprou, bateu o pé.
é um som
toca uma música boa
p’ra que eu me esqueça da alma ausente
que se perdeu pelas ruas
que eu não me perca também.”
Fausto Bordalo Dias
Noutra parte da cidade, ele, fumava e bebia cerveja. Ouvia jazz e escrevinhava no bloco de notas. Contava anedotas, pagava rodadas e fumava cigarros que acendia ininterruptamente. Para ele ainda era meio-dia; tinha o tempo todo do mundo, a banda principal ainda não subira ao palco. Acendeu outro cigarro, limpou o suor da testa, escrevinhou no bloco e mandou vir mais uma rodada.
Bateram as oito horas no sino da igreja e ela ainda esperava. Apagou o último cigarro com o salto do sapato como quem esmaga uma barata. Expirou o fumo como quem despeja o lixo, sem olhar para trás. Oito horas! A hora certa de ir para casa e fazer uma vida; com ou sem ele. Foi sem ele.
Chegou ao lugar combinado pouco depois do último encore. Ela já não estava. Sentiu-se sozinho e com frio. Escrevinhou no bloco versos de contrição. Bateram as oito horas no sino da igreja. Apagou o cigarro como quem apaga uma vida. Oito horas! Era de manhã. A hora certa de ir para casa e mudar de vida; com ou sem ela. Foi sem ela.
8 comentários:
18 de maio de 2010 às 19:46
Muito fixe, muito fixe.
18 de maio de 2010 às 19:48
Thanks brother.
18 de maio de 2010 às 22:23
Eles e elas... sempre com horas e voltas trocadas. Que destino! :)
18 de maio de 2010 às 22:46
É realmente assim quando os tempos de cada um são diferentes.
18 de maio de 2010 às 23:42
@Luisa - Oportunidades desperdiçadas.
@Tulipa - E quando não se querem encontrar.
19 de maio de 2010 às 17:43
É tudo uma questão de prioridades. Cá pra mim, ela esperou foi demais. "... expeliu o fumo como quem despeja o lixo". Muito bom. Excelente texto.
19 de maio de 2010 às 18:10
Eu também me parece que ela esperou demais.
Obrigado Rose.
1 de janeiro de 2013 às 06:34
E convém esperar por coisas reais, claro está. As que não existem podem ser muito mais tentadoras, mas enfim, what's the point?
Nem os ditados populares conseguem chegar a consenso -- esses que sabem tudo sobre tudo.
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