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O Joelho

| quinta-feira, 21 de janeiro de 2010 | |
Uma dor no joelho, era do que se tratava. Abrenúncio saiu de casa e o joelho começou imediatamente a doer-lhe. Não era bem uma dor, antes uma pressão que se fazia sentir num músculo junto à rótula que lhe causava desconforto e o impedimento de andar normalmente. Quando ia para o trabalho, com o seu andar desengonçado, as pessoas com pena dele deixavam cair comentários como «coitadinho, é tão novo» e «é uma vergonha, o Estado não faz nada por estas pessoas». Nas fila das finanças, quando teve que ir prestar declarações, sentiram uma tristeza peculiar com a sua figura de gazela atropelada e deixaram-lhe passar à frente na fila. A sua imagem provocava nas pessoas um misto de sensações entre a piedade e a repugnância; se havia aqueles que se enterneciam à sua passagem, outros repeliam o olhar evitando assim o espectáculo grotesco que era Abrenúncio a tentar andar direito. Ninguém gosta de ver a degradação a que o corpo humano pode chegar, lembra-nos sempre a nossa própria mortalidade, a nossa falência física, o imprevisto e o inevitável ao virar da esquina.
O dia estava nublado e quando Abrenúncio esticou a mão para ver se estava a pingar alguém lhe colocou uma moeda na palma aberta; ficou como que incrédulo a fitar o homem que se afastava não sem antes lhe lançar uma expressão que dizia «não precisa de me agradecer.»
Ao final da tarde, novamente em casa, Abrenúncio esparramou-se no sofá e colocou a perna ao alto; o telefone tocou:
- Estou?...Atão pá...Não, hoje não vou...Lesionei-me ontem a jogar futebol, tenho joelho numa lástima...Pois...Além disso as pessoas hoje andam a olhar-me de um maneira esquisita.

6 comentários:

Lala Says:
21 de janeiro de 2010 às 21:40

O verdadeiro 'pré-conceito' que a humanidade tem de si mesma. A ilusão e desilusão e ser igual ao outro e, no entanto não querer sê-lo. Uma abordagem desgraçada da forma mais repugnante de se olhar os outros: com pena! "Coitadinho"! Inevitavelmente, as pessoas pensam, as pessoas julgam e, pior que isso, condenam!

Beijinho*

El Matador Says:
21 de janeiro de 2010 às 21:55

As pessoas andam com ânsias de sentir pena de alguém para poderem esquecer-se das próprias penas.
Ao mesmo tempo que sentem pena sentem-se felizes e têm vergonha dessa felicidade, porque é uma felicidade mesquinha.

Anónimo Says:
26 de janeiro de 2010 às 11:37

Ah ah ah
Só tu, Matador!
"...sentiram uma tristeza peculiar com a sua figura de gazela atropelada"
(gostei das duas abordagens anteriores)

Tenho mais pena dos pseudo-condescendentes, que de jogadores-coxos, com esmola na algibeira. ;)

Abraço,

Pierrot le fou

El Matador Says:
26 de janeiro de 2010 às 12:12

Ehehe, mas olha que o pseudo-condescendente tá na moda.

Abraço.

Anónimo Says:
26 de janeiro de 2010 às 12:57

Eu sei, já há muito tempo que ouço falar de instituições, de segurança social...

;)

Anónimo Says:
26 de janeiro de 2010 às 13:00

...é verdade, o "Joelho" e a condescendência originaram um post Le fou...