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O Aborrecimento

| segunda-feira, 30 de novembro de 2009 | |
Romualdo sabia que naquele dia se ia aborrecer. Acordou bem disposto, cantou no duche, desfez a barba com uma lamina nova e tomou um pequeno-almoço reforçado. Vestiu a sua melhor farpela, que ao mesmo tempo era a única que estava lavada e saiu de casa sabendo de antemão do aborrecimento que o aguardava. Havia algo que o puxava para aquela reunião, uma atracção mórbida que o seduzia sobremaneira. Ao mesmo tempo estava feliz por sair de casa; entre os livros e as conversas com Speedfreak, o cão, estava curioso de saber se ainda sabia falar humano, melhor, se ainda era reconhecido como um deles.
O seu isolamento deu-se numa altura em que a humanidade o deixou doente, fisicamente doente e mentalmente exaurido. Jurou que nunca mais iria abdicar dos seu feitio sui generis, estapafúrdio aos olhos do observador ocasional, por uma posição de conforto numa congregação de bandalhos mentecaptos, bêbados de sobranceria. Comprou ração para o cão e fechou-se em casa consigo mesmo, o seu melhor amigo. Naquele dia porém impunha-se um regresso anunciado e um sacrifício aos deuses da estultícia.
Chegou e sentou-se a um canto como que para não ser reconhecido, mas a forma como olhava para tudo e todos com desinteresse cedo o denunciou. A bajulação, a hipocrisia, a baixeza, a vilanagem; foi uma insana comédia a que se desenrolou à sua volta. Era o que ele esperava, tudo tal e qual como antes. Tinham passado dez minutos quando a profecia se cumpriu: estava aborrecido.

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