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#230

| quarta-feira, 8 de dezembro de 2010 | |
O poeta é um fingidor
finge tão completamente,
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.

Fernando Pessoa

O poeta é um bandido, um vagabundo preguiçoso. A dor é a sua arte. Gosta de embalá-la, à noite, entre copos e fumaça. Rega-a como se duma planta se tratasse; fala com ela. Recita-lhe versos de Rimbaud com música erudita. A dor tem pouca auto-estima e gosta de ser mimada.
O poeta finge que é dor a dor que deveras sente porque é assim que consegue criar: em sofrimento, no caos mais sentimental a sul de todas as emoções; na cave. O poeta agarra na dor e muda-se para a cave, para o escuro, para a humidade, para a frieza; a dor é um cobertor que o poeta usa para agasalhar o cérebro entorpecido.
O poeta é preguiçoso, já se disse, deita-se no sofá com a dor e passa-lhe a mão pelo pêlo. Os dias passam-se em ociosidade e delírio surrealista.
A questão primordial que se impõe com o decorrer do tempo é: quem veio primeiro, o poeta ou a dor?
Habitua-se a este ritmo de sofrimento barra rambóia barra fingimento e um dia, um belo dia de tempestade (a dor gosta de chuva), entre uma enxurrada e outra que se anuncia, eis que o sol se imiscui no edifício de mágoa, moléstia e estupidez que o poeta criou a partir da dor alicerçada. O sol e o seu espectro de sete cores e mais as ondas de rádio e os raios x e tudo o que sol acarreta, entra de rompante pelas masmorras de um indivíduo e ilumina as sombras que se esvanecem e levanta o pó da arca das tristezas. A dor, que não gosta nada do sol, qual vampiro barato da sétima arte pop, sai de mansinho, mirrada e enfraquecida, sem se despedir.
O poeta acorda sobressaltado como se lhe tivessem jogado uma toalha encharcada em cima. Vê a claridade e sente uma espécie de alívio. Há uma dualidade na mente do artista. Agarra-se ao bloco de notas e tenta enaltecer o sentimento. Não consegue. O motor da dor foi-se abaixo, afogou-se. O poeta sorri perante a incapacidade da criação, a dualidade, lá está, e não sabe o que fazer. Foi-se a dor, foi-se o fingimento, foram-se os recantos de obscuridade; o cabrão do astro iluminou tudo. Restam as cinzas.
O ex-poeta levanta-se e vai tomar o pequeno almoço.

18 comentários:

Pink Poison Says:
8 de dezembro de 2010 às 21:12

parece que me conheces...
Dualidade
Ver
Sentir
DORES

El Matador Says:
8 de dezembro de 2010 às 21:15

Já te conheci menos.

Unknown Says:
8 de dezembro de 2010 às 21:45

Matador, querido! :]

Que beleza de texto encontrei para me receber de volta!

O poeta e a dor, a dor e o poeta: indissociáveis.

Beijo grande,
Ane

Unknown Says:
8 de dezembro de 2010 às 22:06

Ah! Adorei o layout novo do blog! Está lindo! :]

El Matador Says:
8 de dezembro de 2010 às 22:19

Obrigado Ane

Bem-vinda de volta!

Gostei que tenhas gostado.

luisa Says:
8 de dezembro de 2010 às 22:36

Ah, não. Nem só de dor vive o poeta:
"Às vezes tenho ideias, felizes,
Ideias subitamente felizes, em ideias
E nas palavras em que naturalmente se despegam..." - Álvaro de Campos

Anónimo Says:
8 de dezembro de 2010 às 22:44

" A dor, que não gosta nada do sol, qual vampiro barato da sétima arte pop,..."

Arte pop, ou arte chunga!
El Matador, todos somos poetas. Gostamos da dor. Não da dor física, que tortura, mas da dor de amor.
Esta revoluciona tudo o que está cá dentro.
Tortura de amor faz sorrir os olhos, o coração. E toma-se o pequeno almoço com feliz, com as cinzas o o Sol. O que é importante é ter a dor...sem fingimento.

:)desejo

Unknown Says:
8 de dezembro de 2010 às 22:56

A dor facilita a criatividade. é a vida de poeta. kiss

El Matador Says:
9 de dezembro de 2010 às 08:24

@Luísa: Há sempre uma excepção, ;)

@Desejo: O que nos leva para o nosso Luís Vaz ...é dor que desatina sem doer...

@Tulipa: Poeta sofre, :)

roserouge Says:
9 de dezembro de 2010 às 21:59

Eli, já te disseram que essa cor de texto em cima do fundo preto se vê mal? Talvez se pussesses as letras em bold... ou sou eu a precisar de óculos para ver ao perto?

El Matador Says:
9 de dezembro de 2010 às 22:05

Hallo Rose. Long time no see.
Qué feito? Já tinha saudades tuas pá.

Por acaso já não és a primeira a queixar-se. Eu vejo bem, mas se calhar sou só eu.

Se mais alguém se queixar, tenho que pensar no assunto.

roserouge Says:
9 de dezembro de 2010 às 22:14

Eheheheh... como já deves ter reparado, também tenho dado pouca atenção ao meu blog. Tenho andado pelo facebook, aqui neste lado não se passava nada de especial, um bocadinho pasmaceira. O face é bem mais dinâmico, mais lively e estão lá todos os meus amigos de Lisboa e não só. Não ligues ao que as pessoas dizem sobre perda de privacidade e mais não sei quê. Não sabem o que dizem. Só se sabe aquilo que tu deixares saber, que tu publicares. Vê lá se apareces, gostava de te ver por lá. Enfim, o importante é comunicar.

El Matador Says:
9 de dezembro de 2010 às 22:27

Eu não vou muito com o facebook. Aliás, não vou muito com rede social nenhuma. Até já deixei de usar o messenger.
O telemóvel só o uso em caso de extrema necessidade e irrito-me sempre que ele toca.

otário Says:
10 de dezembro de 2010 às 12:13

visita o paradoxos,
não sei se conheces,

paradoxosdoedu.blogspot.com

Johnny Says:
10 de dezembro de 2010 às 18:34

Poeta = artista

Concordo que a arte nasça na sua grande maioria da dor.

El Matador Says:
10 de dezembro de 2010 às 19:05

Concordamos.

Briseis Says:
11 de dezembro de 2010 às 11:26

É claro que os poetas escrevem sobre a dor... Raras vezes alguém se lembra de escrever porque está alegre. Quando se está alegre, sai-se e dança-se. Quando se está triste exacerba-se o sentimento para despertar a auto-comiseração e a pena dos outros. Tipo a religião. Nunca se agradece ao Big Boss por estarmos bem, mas fazemos grandes discursos e "porquês" quando a coisa dá para o torto...

El Matador Says:
11 de dezembro de 2010 às 17:45

É uma maneira de ver as coisas.