Romualdo pasma-se. O ódio está de volta. A perseguição ganha terreno: alimenta-se da intolerância e da ignorância e mais que tudo, duma estupidez conhecida entre nós por ser ambundante e ambundantemente disfarçada.
Romualdo isola-se, não compreende os outros. Não tem medo; queda-se perplexo. Descobre-se numa pele que não é a sua, como se representasse um papel. Não quer ser vítima. Não quer ser carrasco. Olha-se ao espelho e vê os traços da vetusta humanidade esvanecerem-se como poeira ao vento.
Um dia vêm-me buscar a mim.
Eliminamo-nos por ordem crescente do ódio. Eliminamo-nos porque ajuda a passar o tempo e a frustração. Somos frustrados porque não somos felizes; entregámos a felicidade aos outros para que cuidassem dela, como um penhor. Ficou a promessa de voltar um dia para a resgatar, numa manhã de nevoeiro, qual Sebastião, mas nunca voltamos. Esquecemo-nos dela, é só.
Os outros estão no fulcro das nossas vidas, sabem de nós, decidem por nós. Comandam-nos, como titereiros. O centro gravitacional da massa humana que forma os outros assemelha-se em tudo a um buraco negro: capaz de nos sugar a luz dos olhos.
Um dia vêm-me buscar a mim. Quando não houver mais ninguém. Os que vierem não serão os monstros abomináveis que as nossas mães nos falavam, não. Serão os nossos vizinhos, sorridentes, entre um bom dia e um como tem passado; os nossos colegas com quem acabámos de almoçar; os nossos amigos sempre a quererem o nosso bem. Quem vier, trará um beijo na face em mente. Ter inimigos identificados é um luxo.
Romualdo não está só, todos os loucos o acompanham. Os loucos são unidades móveis de felicidade esquecida. Não têm medo; quedam-se sim, perplexos.
5 comentários:
30 de setembro de 2010 às 12:19
Está brilhante o texto, matador. E reproduz tão bem as relações humanas...
Adorei "Os loucos são unidades móveis de felicidade esquecida", grande definição!
Kiss
30 de setembro de 2010 às 18:27
Gostei imenso. Gosto da parte que (entrelinhas) nos mostra que a felicidade pode estar em pormenores e não num todo. O problema da raça humama é planear e planear para ser feliz... Erro muito grave.
30 de setembro de 2010 às 18:56
@Tulipa - Havia mais para dizer mas, como diz o outro, não temos tempo. :)
@Pink Poison - O problema está também em planear e planear e nunca concretizar os planos. Às vezes a felicidade está logo ali, nós é que não reparamos por estarmos a planear.
30 de setembro de 2010 às 20:16
Matas-me com os teus textos.
Sensibilizas, levas à reflexão.
Mas tudo esquece.
Somos absorvidos pela sociedade...
"Serão os nossos vizinhos, sorridentes, entre um bom dia e um como tem passado; os nossos colegas com quem acabámos de almoçar; os nossos amigos sempre a quererem o nosso bem...";
Uma verdade que não pensamos possa acontecer.
"Os loucos são unidades móveis de felicidade esquecida... "
Estes vivem com certeza à sua maneira, alheios à sociedade. Por isso, são com certeza mais felizes
Belo post.
Diana
30 de setembro de 2010 às 21:16
Obrigado pela tua análise, Diana.
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