Em tempos de crise a inspiração escasseia. As ideias ficam presas no cérebro que padece de falta de oxigenação. O sangue deixa de circular, tal não é o aperto do cinto. A necrose instala-se. Era assim que se sentia Labregoísio diariamente. Sufocado. Como se tivesse a cabeça presa num torno mecânico. Ah! a imagem do operário oprimido pelo sistema. Um bom leit motiv para um mural. O homem preso à máquina. O homem servo da máquina. A máquina que rumina o homem.
Fez as contas por alto, que a matemática nunca foi o seu forte, e descobriu que será um homem velho quando a situação der algum sinal de melhoria. A vida, tê-la-à passado em contenção, em esforço, em desassossego, miserável e com medo. A sério? É isto que nos espera? A vida? É isto?
Indignava-se com a falta de indignação. Deixou-se cair no cadeirão e abandonou de novo a tela; trocou os pincéis pelo cigarro e pôs-se a esfumaçar. Gostava da sala cheia de fumo - recordava-lhe outras praias e nevoeiros - amores e inocências numa época em que podia considerar-se feliz sem ter vergonha de si próprio. Tempos que já não voltam. Não por a marcha do tempo ser linear na forma como a percepcionamos, mas por já não haver inocência uma vez que abrimos os olhos. E olhos foram abertos concerteza. Abertos para no-los encherem de areia e de promessas. Mentiras!
Que sentido de traição é este? Pergunta-se Labregoísio. Porque nos aconchegamos nesta tristeza?
Levantou-se e procurou os lençóis velhos com que resguardava os móveis quando viajava.
A sério? É só isto? Meia dúzia de banqueiros sem escrúpulos, uma classe política imbecil e dois meninos que nunca trabalharam na vida a digladiarem-se mimados, como quem luta pelo último brinquedo da moda – nós! É por isto que se vão estragar gerações inteiras?
Esquartejou o lençol e pintou as partes de vermelho e verde – a cor da tesão e do ciúme – desenhou-lhes em amarelo um punho fechado de dedo médio em riste e dependurou tudo da janela. Sim, porque não é só em dias de bola que devemos mostrar a nossa excitação. Era este o seu manifesto. Um dedo esticado. Um dedo que talvez se espalhe pelo bairro, pela cidade, pelo país inteiro, até que os senhores engenheiros de fim-de-semana, os senhores doutores de pacotilha e todos os outros de seriedade duvidosa, sintam um dia ao se sentarem nas suas poltronas, um forte ardor subir-lhes pelo ânus acima.
6 comentários:
10 de outubro de 2010 às 20:39
É o tal dedo que mexe na ferida. Gosto muito dos teus textos.
10 de outubro de 2010 às 21:24
O dedo da vergonha.
10 de outubro de 2010 às 23:28
(...)dois meninos que nunca trabalharam na vida a digladiarem-se mimados, como quem luta pelo último brinquedo da moda – nós! É por isto que se vão estragar gerações inteiras?
(...)Esquartejou o lençol e pintou as partes de vermelho e verde – a cor da tesão e do ciúme – desenhou-lhes em amarelo um punho fechado de dedo médio em riste e dependurou tudo da janela
"Matas-me" com os teus textos.
10 de outubro de 2010 às 23:36
:)
12 de outubro de 2010 às 22:35
Olha, que bela ideia. Era bom que a ideia do dedo se generalizasse, mas os dois meninos não jogam à bola, que até isso faz transpirar.
12 de outubro de 2010 às 23:11
Eles podiam é servir de bola.
Enviar um comentário