Um tristeza enorme abateu-se sobre os ombros de Romualdo. Os poetas situam geograficamente a tristeza no coração: um aperto, dizem eles. Os místicos colocam-na na alma, como algo de que se padece. Romualdo não sentia apertos de espécie alguma, nem exaltações febris no espírito; a sua tristeza pesava-lhe, era isso. Como se estivesse debaixo da roda de um camião TIR. Um peso enorme que lhe tolhia os movimentos. Quando se deslocava era como se se arrastasse, os ombros apontavam o chão, vergados ao peso da tristeza feita chumbo. A angústia sentia-a na barriga e a paixão nos olhos.
A paixão sentia-a vermelha, como se o coração fosse rebentar de um momento para o outro; uma bomba relógio cardíaca. Negra era a cor com que percepcionava a tristeza: como o chumbo, como as pedras de calçada, que embora as houvesse de outras cores, Romualdo só as via negras.
Quando estava apaixonado e triste, via tudo vermelho e negro, como as bandeiras anarquistas. Nessas alturas saía à rua, gritava palavras de ordem e atirava pedras aos polícias. A seguir fechava-se em casa, deitava-se debaixo da cama e dormia.
Romualdo admirava os budistas por causa do equilíbrio. Os budistas gostavam de Romualdo por causa da falta de equilíbrio. Esforçavam-se para o tentar equilibrar e riam-se muito dele quando caía desengonçado, como nos filmes antigos. Os budistas eram engraçados e queriam muito ajudá-lo, mas havia aquela coisa do tofu que se intrometia constantemente entre ele e o nirvana.
E assim estava agora Romualdo: encurralado. Uma tonelada de ombros empurravam-no para baixo. Para debaixo da cama.
Adormeceu a pensar na quantidade de pedras que ainda havia para atirar.
15 comentários:
30 de outubro de 2010 às 11:28
Todos nos sentimos Romualdos de vez em quando, só que lá vão poupando os polícias e comendo tofu.
Gosto da combinação de humores com cores. Hoje a cor mais indicada (para mim) é o cinza.
Bom fim-de-semana!
30 de outubro de 2010 às 12:09
O cinza não é muito mau, é intermédio.
bom fim-de-semana.
30 de outubro de 2010 às 12:26
não poder amar e não poder comer é tramado, de todo o drama escapa apenas não precisar rezar e poder dormir. ;)
P.S: achei este texto "impecável" e claro, desculpa a invasão.
30 de outubro de 2010 às 12:32
Tens que ver é que enquanto dormes não precisas das outras 3. ;)
Obrigado Sahaisis, volta sempre.
30 de outubro de 2010 às 12:45
e estamos em crise...há que poupar ;)
30 de outubro de 2010 às 12:51
Devíamos hibernar como os ursos (que somos).
30 de outubro de 2010 às 15:25
A dormir não há tofu que se intrometa. Nem tofu, nem seitan. Mas também não há lugar para um belo cozido á portuguesa, que estou certa faria as delícias do Romualdo, ou não?
30 de outubro de 2010 às 15:30
Estou em crer que sim.
30 de outubro de 2010 às 19:50
nada mal pensado..lol
31 de outubro de 2010 às 01:24
Dormir apenas, o que muitos precisam. Eu, também.
31 de outubro de 2010 às 01:31
E eu.
31 de outubro de 2010 às 13:18
Um sorriso não poderia fazer nada por ele? Eu gosto de sorrir e gosto de ver sorrisos quando vejo tudo a negro e vermelho.
31 de outubro de 2010 às 14:30
Se calhar podia.
31 de outubro de 2010 às 22:02
Eu gosto do vermelho e do negro, principalmente quando estou bem disposta. Não vi o filme e tal, mas sei que dormir +e meio caminho andado para a felicidade :)
31 de outubro de 2010 às 22:05
Eu também não vi o filme.
All you need is sleep.
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