Quando chove é sempre motivo de festa. No deserto a chuva é bem-vinda. Saio da tenda e corro todo nu pelas dunas. Um costume beduíno? Não sei. Talvez seja o êxtase por tamanha oferta de um deus que se afirma pela secura, tanto climatérica como metafísica. Aqui a chuva não é boa para a agricultura, por não haver agricultura, mas é boa para os camelos; para eles é como se fosse bar aberto.
Aproveitamos o momento para sacudir de cima a poeira do deserto; uma poeira que nos cobre há séculos, camada sobre camada, como se fôssemos uma cebola, ou uma boneca russa. À noite, aquecemos o chá e celebramos a chuva com histórias que nos contaram os nossos bisavós, e rimo-nos muito com a boca desdentada. Os slughis assustados uivam à lua; talvez porque nunca ouviram histórias da chuva contadas pelos seus bisavós. Os camelos roncam saciados.
Pela manhã o deserto já não está no mesmo sítio. Vogou com a chuva, como a via láctea, que flutua pelo universo afastando-se das galáxias irmãs sem dizer adeus. Levantamos acampamento e zarpamos com o deserto; nunca estamos sós quando fazemos novos vizinhos, o que interessa é a viagem.
12 comentários:
31 de outubro de 2010 às 18:07
pode ser que encontrem por aí um marciano... gostei de ler pá!
tive de ir ver o que eram os 'slughis', mas presumi logo de início que fosse um cão ou lobo qualquer, já que uivava...
saudações otárias!
31 de outubro de 2010 às 18:34
Os marcianos somos nós. :)
Saudações.
31 de outubro de 2010 às 19:28
No dia seguinte voltam a beber chá de menta para arrefecerem. No dia seguinte a vida nómada continua e os camelos já não estão sedentos...
31 de outubro de 2010 às 19:38
Pois.
31 de outubro de 2010 às 21:02
No deserto andamos nós, aqui com a chuva a fertilizar os terrenos e o governo a fertilizar o défice orçamental.
31 de outubro de 2010 às 21:10
O governo a afundar o país e a chuva a ajudar. :)
31 de outubro de 2010 às 21:49
Aqui no meu deserto a chuva não deixa ninguém seguir viagem, inundou o caminho. kiss
31 de outubro de 2010 às 21:55
Tá mau isso.
1 de novembro de 2010 às 20:28
não sou camelo, mas gosto de chuva. é!
1 de novembro de 2010 às 20:31
Eu também gosto de chuva e não raramente sou chamado de camelo.
2 de novembro de 2010 às 10:20
Friend, mais uma vez arrancaste-me um sorriso da cara.
Muito bom.
2 de novembro de 2010 às 11:02
Isso é que é preciso amigo Catso, tristezas não pagam dívidas.
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