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O Rei-Lua Postiço*

| sábado, 15 de dezembro de 2012 | |

[…] O corrido, o raimoso, o desleal
O balofo arrotando Império astral
O mago sem condão, o Esfinge Gorda.
 (in Aqueleoutro, M. de Sá-Carneiro, 1916)*


E é assim que passo os momentos de ócio: em ociosidade. Rebolo-me vagaroso na cama de casal que ocupo de forma  singular; gordo, flácido, boçal. Passo os dias nesta forma amorfa de banha espalhada pelas colchas. Não há sentido na vida que não seja engordar, tudo nas estrelas assim o indica, e eu, não gosto de contrariar os astros. Reviro os olhos num bocejar benzodiazepino; a luz do sol filtrada pelas persianas, forma um padrão de luz nas mantas que me tapam. Acordo de tempos a tempos e vejo que o padrão se move da esquerda para a direita, da cama para a parede, da parede para o tecto: é assim que meço o tempo.
Sou um monte disforme de gordura e chocolate. A mão escorrega o suficiente para alcançar a garrafa de vinho; e, é só porque preciso de enxaguar os dentes: há pedaços de carne que se recusam a abandonar os interstícios. Uma boa higiene oral é tudo, dizem na rádio; é verdade, tenho o rádio ligado. As notícias de meia em meia hora confundem-me os sonhos; às vezes sonho que estou na rua a ser entrevistado e que sou belo e magro e ágil, articulo elegante o discurso quando digo que “isto não vai nada bem!”. Acordo de tempos a tempos com o sal da baba solidificado nos cantos da boca e rebolo-me um pouco mais; há que mudar de posição de quando em vez, para evitar a criação de chagas no corpo.
Chove! Que bom que é ouvir a chuva na cama. As gotas a percutirem na janela são como pequenos comprimidos para dormir quando chegam ao cérebro: entorpecem e acalmam-no.
Diz que o mundo está quase a acabar. Gostava de ver isso. Imagino-me deitado; sonolento e muito balofo; arrotando chocolate da América Central, como o um dos Maias. E pensar a quando das primeiras bolas de chamas que irrompessem pela atmosfera:
- Ah! Maria Eduarda, não soubesse eu o que sei hoje e tivéssemos nós mais tempo, ainda era moço para te dar mais uma. 

3 comentários:

Anónimo Says:
15 de dezembro de 2012 às 23:41

auto-flagelação.

faria um igual para mim, mas em vez do corpo balofo, haveria um raquítico corpo seco. imaginaria-me também na rua a dar entrevistas (mas à tvi, que gosto tanto) toda voluptuosa e com o peito a forçar os botões da blusa preta de seda, quase, quase transparente. e quando chegasse o fim do mundo, quando as bolas de fogo se vissem a rolar na atmosfera, diria: se soubesse o que sei hoje...

Anónimo Says:
15 de dezembro de 2012 às 23:53

mas tu nao sabes corrigir os erros???

*imaginar-me-ia


mau :((((((

Briseis Says:
16 de dezembro de 2012 às 14:58

Acho que todos passamos dias assim, de quando em vez... por mais que não seja, em pensamento. Mesmo que o corpo se levante da cama, o sentimento geral é o de rebolar na inércia desesperante. ...a pensar na Maria Eduarda e na monstruosidade deliciosa que seria dar-lhe mais uma...