Mother! You had me
I never had you...
John Lennon
Quando a senhora Laden soube da morte do seu filho estava a untar de manteiga uma forma para fazer um bolo. Entraram-lhe as vizinhas aos gritos pela casa adentro, como era de costume sempre que havia uma desgraça, e lançaram-lhe a má-nova à cara sem qualquer aviso ou preâmbulo: ai mulher és uma desgraçada, mataram o teu filho! A senhora Laden deixou cair a travessa ao chão e acto contínuo desatou a chorar. Cabrões dos americanos, invectivou entre soluços; jogou as mãos ao ar numa expressão de dor que só quem é mãe é que pode entender e parafraseou o Cristo: Eli, Eli, Lama Sabachthani? Que quer dizer mais ou menos, meu deus, meu deus porque me abandonaste? As outras entreolharam-se incrédulas com a erudição da vizinha e com o despropósito da citação bíblica, e logo ali perderam a coragem de lhe perguntar onde havia ela aprendido o aramaico.
Na América, os americanos que conseguiram sair à rua, saíram. Os outros, a maioria, ouviu a boa nova pela televisão, de hamburguer de três andares numa mão e copo de 2 litros de coca-cola na outra. Entre um arroto e um refluxo, limpavam a gordura que lhes escorria dos queixos à bandeira nacional enquanto ruminvam o hino. As mães americanas também festejaram muito. É sempre uma alegria quando são os filhos dos outros a morrer.
Algures em Portugal a senhora Sócrates estremeceu. Ai meu deus e se o próximo for o meu filho? Apertou inquisidora as mãos da vizinha que ouvia a radio-novela com ela. Nã se preocupe vizinha, que eles aqui nã matem ninguém, atã nã viu o 25 de Abril? Mais a mais, já se sabe que cá em Portugal quem charinga toda a gente é o sê filhe.
De onde veio o sotaque algarvio da vizinha da mãe do Sócrates, não sabemos. Nem sequer podemos atestar da originalidade da conversa. Uma coisa sabemos porém: num mundo governado por cabrões, somos todos filhos da mãe.
Para a Fábrica de Letras - Mãe
20 comentários:
2 de maio de 2011 às 22:12
Simplesmente sensível e marvilhoso.
Não vi nem ouvi notícias, mas entrei num site e vi uma bandeira alaranjada que dizia "Obama 1, Osama 0".
Chocou-me.
E qualquer filho que morre, por mais cabrão e assino que seja, tem uma mãe. A dor é igual a todas as mães.
És um sensível, quando escreves.
:9
2 de maio de 2011 às 22:25
;)
2 de maio de 2011 às 22:56
espectáculo.:-)
2 de maio de 2011 às 23:09
eheh, obrigado.
4 de maio de 2011 às 22:32
Já fiquei de tacha arreganhada a ler esta história... impagável :)
4 de maio de 2011 às 22:48
Ehehe, obrigado Luísa.
5 de maio de 2011 às 00:02
Lindo e muito bem apanhado! Olha, e fez-se o bolo ou não?
5 de maio de 2011 às 00:05
ahahah, não sei.
:)
5 de maio de 2011 às 10:07
A senhora Bin Laden ainda anda por cá? Julguei que teria sido uma orgulhosa bombista suicida nos seus tempos de juventude... Afinal, parte-me o coração imaginar agora a velha senhora a arrancar cabelos e a arranhar o peito...
Se estes senhores da guerra, em vez de brincar aos exércitos, fossem fazer queixa às mães, elas resolviam tudo com uma discussão ruidosa à porta da outra, a regurgitar impropérios de mãos nas ancas... Assim, sofre-se mais...
5 de maio de 2011 às 10:29
É o que eu digo, os problemas resolvem-se à chapada.
5 de maio de 2011 às 18:11
Uma delícia este teu texto!! Adorei! E o título... um primor! Parabéns. Vou passar a seguir-te, nem sei porque demorei a fazer isso, :), Beijinho
5 de maio de 2011 às 18:39
Obrigado Eva :)
9 de maio de 2011 às 14:20
Gostei muito. Fez-me lembrar uma conversa recente no café da minha rua. Falava-se da tendência generalizada de nos por nos lugar dos bosn da fita... Ou seja, dizemos coisas como "se o sotero fizesse isto a uma filha minha... só morto ou queimado vivo", mas poucos são capazes de pensar "e se o meu filho fizesse o que o satero fez?".
Usei o sotero, porque era dele que se falava no café, podia ser outro qualquer. O renato seabra, o bin laden, o rei ghob... sei lá um dos maus que nos fazem deitar as entranhas pela boca nas pargas que rogamos.
(a comparação não é brilhante, mas dá para captar, certo?)
9 de maio de 2011 às 16:19
É isso mesmo.
17 de maio de 2011 às 14:18
até um dia, alguém fizer algo que realmente páre o pais.
17 de maio de 2011 às 15:19
pois!
22 de maio de 2011 às 19:51
Olá,
Mãe sempre é apreensiva pela sorte dos seus filhos amados...
Abraços fraternais
22 de maio de 2011 às 20:52
É um facto.
28 de maio de 2011 às 15:03
bem, ainda bem que o bin laden não era português, tanto quanto sei, a manteiga por cá está muito cara. jesus credo, valha-nos isso.
28 de maio de 2011 às 15:38
hummm!! vou reflectir.
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