O homem que escreve com luz passa na rua sempre de mansinho, como que temendo que o barulho dos seus passos afugente a claridade do dia, aquela luz ténue da manhã que tão gentilmente se desenha nos seus retratos. É todo um jogo complicado de aritmética que se balança no seu olhar; as aberturas, as velocidades, a sensibilidade do sensor, a sua própria sensibilidade que muitas vezes não se coaduna com as medições exactas da máquina..
Há uma nova realidade para ser criada ou re-criada todos os dias, disserta o homem quando encontra um amigo que a páginas tantas, olha para o relógio, desculpa-se com o trabalho e segue a sua vida; uma realidade que só depende de quem olha, de como olha e para onde escolhe olhar primeiro, uma realidade que se constrói, acaba por dizer o homem para si mesmo quando o amigo já vai longe. Tudo depende da luz! Conclui. Há que saber manuseá-la, acariciá-la e torná-la nossa amiga: só desta forma conseguiremos desenhar com ela.
Os retratos do homem eram simples como ele. Possuíam no entanto uma espécie de encanto que ninguém conseguia decifrar. Seriam as cores? Podia ser, argumentavam alguns, no entanto como explicar o mesmo factor nas fotos a preto e branco?
O homem olha para o que não está à vista; através do silêncio dos movimentos, da discrição dos modos, duma solidão que de tão modesta é quase impossível de ser vista.
A ternura do homem só, não é fácil de se observar nos seus contornos. É como a relação entre a noite e o escuro. O homem é invisível na sua solidão: aí está! Clamaram alto como quem grita eureka, o segredo do homem, o factor X, é a sua invisibilidade.
O segredo porém, não é nada de especial, comenta o homem em conversa consigo mesmo enquanto espera que chegue a hora de sair à rua. O segredo, a haver algum, é a forma como se comove com as coisas e com as pessoas; a forma como a luz as envolve, a geometria que as enquadra, os ângulos que as subjectivam; a ternura, já que se falou nela, está na forma como olha para o mundo.
para a Fábrica de Letras - Ternura
19 comentários:
6 de abril de 2011 às 22:18
" O segredo, a haver algum, é a forma como se comove com as coisas e com as pessoas; a forma como a luz as envolve, a geometria que as enquadra, os ângulos que as subjectivam; a ternura, já que se falou nela, está na forma como olha para o mundo".
segredo, forma, ternura, três perspectivas muito bem definidas neste teu texto para a Fábrica de Letras.
6 de abril de 2011 às 22:29
Obrigado, Desejo
7 de abril de 2011 às 00:41
A ternura, se estiver sempre presente, ultrapassa qualquer montanha...
7 de abril de 2011 às 08:34
Bonito.
7 de abril de 2011 às 09:11
Se os nossos olhos tivessem uma Câmara fotográfica incorporada, conseguiriam captar e fixar para a posteridade a ternura das coisas?
...Gostei do texto. :)
7 de abril de 2011 às 10:10
Talvez. Mesmo sem máquina incorporada, o que os nossos olhos têm é um bom cartão de memória, o que é bom e mau ao mesmo tempo. ;)
7 de abril de 2011 às 17:11
Gostei do texto el matador. E gostei dessa ideia da ternura estar na forma como observamos o que nos rodeia... :)e eu acrescento, e interpretamos essa percepção tão individual...:)
7 de abril de 2011 às 19:40
Obrigado Eva. Sim cada um faz uma interpretação diferente.
8 de abril de 2011 às 17:26
Caro Matador, que belo texto! Tão luminoso e ternurento! Boa tirada!
8 de abril de 2011 às 19:22
Click ;)
10 de abril de 2011 às 23:41
MAGISTRAL! Sente-se cada palavra, cada movimento, cada sentir deste ternurento fotógrafo...
;)
11 de abril de 2011 às 00:00
Então é assim como se existissem várias fórmulas sob a forma de estímulos que se vão revelando e manipulando diáriamente em relação à sua sensibilidade expontânea para com o outro.
11 de abril de 2011 às 08:55
@Natália Augusto: Obrigado Natália.
@MZ:É mais ou menos isso, sim.
15 de abril de 2011 às 23:47
Friend, o problema é para quem precisa de óculos muito graduados e não encontre a tal forma de ver a ternura...
PS: muito bom, como sempre.
Abraço.
18 de abril de 2011 às 22:17
Muito bom.
21 de abril de 2011 às 20:41
Muito bonito! Concordo plenamente consigo. A ternura está nos olhos de quem observa as coisas.
21 de abril de 2011 às 21:12
Obrigado Eduardina.
26 de abril de 2011 às 06:35
O seu texto está impregnado de luz e otimismo que sobe do último parágrafo ao início.Maravilha!abçs
26 de abril de 2011 às 08:43
Obrigado Soninha.
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